terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Psiquiatrices III: Os Transtornos da Esvravidão


          Sempre tentei viver um certo “meio termo” em minha profissão, nenhum radicalismo extremista num mundo “cientificamente” incerto. Não acreditando em “doenças”, mas em “padrões” e “desequilíbrios”. E vendo a medicalização dos sintomas como uma violência (muitas vezes necessária) contra o que realmente somos, tanto em termos estruturais quanto em relação aos nossos embates com a vida. Medicando literalmente os que não mais se suportavam ou os que representavam, quando em “crise”, riscos a si próprios ou a terceiros. Tentando medicar sempre o mínimo possível. Na medida de um possível.

         Nossa psiquiatria jamais se fundamentou em algo que podemos chamar neste lado de mundo de “científico”. Exames (evidências) não corroboram diagnósticos psiquiátricos, antes, os excluem. Nada por aqui é palpável. Nossas práticas são baseadas em observações e experiência. Padrões de comportamento que se repetem em indivíduos, drogas de alguma forma efetivas descobertas ao acaso, enfim, nenhum fundamento biológico, nenhum fundamento patológico consistente.

          E grandes corporações apregoam uma “ciência” que justifica cada vez mais e mais a medicalização da existência, claro que em troca de dinheiro. Um sistema de classificação de doenças que tenta codificar e “patologizar” cada constelação de sentimentos que surge no embate com este velho mundo, “medicalizando-as”. Um conjunto empírico de conhecimentos tentando “biologizar-se”, obviamente porque medicar coisas biológicas rende fortunas. Como tentar interpretar um “google” pelas peças de um notebook. Tomar a manifestação pelo suporte material, a ideias pela célula cerebral, a criação por um punhado de neurônios imbecis. Não existem exames diagnósticos em psiquiatria. Porque a "mente" nunca foi um órgão, ela é um vetor condicionado que exala das estruturas em seus embates com o dia a dia. Quando esta doença começa a aparecer nos microscópios e nas sonografias, elas já materializaram, já se tornaram parte, úlceras, cânceres, enfim. A indústria "científica" existe e é preponderante na psiquiatria. Isso sempre me enojou. Ciência como indústria. Mas fazer? Estruturas psicóticas e depressivas aparecem, o mundo enlouquece dia a dia, "depressões" são criadas, cultivadas e vendidas. Sempre desconfiei de "trabalhos científicos" (patrocinados por laboratórios!).



          Apesar de todos os questionamentos as pessoas “adoecem” (desequilibram-se em diferentes níveis de profundidade, exibem os mais variados tipos de sintomas, apresentam perdas com isso). Pessoas subitamente perdem o contato com esta realidade (imposta e fabricada, adaptativa...), deixam de estudar, de trabalhar, de continuar a produzir e suportar esta e para esta vida “normal”. Prejuízos.

          Prejuízos...

         Prejuízos para uma sociedade que suga a vida de seus súditos, para famílias que exigem posturas condizentes com os ditames da escravidão, para egos que explodem por não suportarem mais sabe lá o quê. Prejuízos para uma sociedade insana, brutal, escravagista, morta.

          Compreender um simples “sintoma” implica em compreender o mundo que o permitiu e que o acolheu. Implica em perceber que tudo está interligado e desde sempre. A compreensão de um simples rebaixamento do humor ou umas súbitas palpitações pode significar a compreensão de um sistema que escraviza, abafa, destrói, condiciona, pode ser a percepção de um estado individual de escravidão. E significa também nos percebermos nele. Não tentarei compreender uma “esquizofrenia”, mas uma desordem num mundo que me envolve também, assola, me adoece.

          A medicina – não só minha psiquiatria – a medicina trata de seres que não mais se adaptam aos seus papéis. Minha úlcera me impede de retornar à fábrica e produzir a fortuna do empregador. “Readaptação”. Sou tratado para retornar às fábricas da vida, para continuar rendendo aos empregadores, sou tratado para continuar movendo a granja humana. Em psiquiatria, esta inadaptação é muito mais profunda.

          O dia a dia dos condicionados, dos escravos... As "doenças da escravidão", da Granja humana. Adoecemos porque o mundo não pode dar vazão a todas as nossas expressões, e este mundo estreita cada vez mais nossas expressões. Este mundo é condicionado pela dor e a servidão. Aí querem culpar os genes, os neurotransmissores e tudo o mais que esteja ao alcance. E ganham-se fortunas com isso. O escravo sempre acaba rendendo, mesmo quando protesta com a sanidade.


          Os “doentes” espalham-se por todas as áreas da clínica médica. O número de pessoas que frequentam os ambulatórios de “saúde da família” não causa inveja aos nossos serviços de psiquiatria. Nem seus desequilíbrios. Pessoas movidas a “paracetamol”, “omeprazol”, sinvastatinas, hipoglicemiantes, anti-hipertensivos, falando-se apenas das “doenças” mais comuns. Dores de cabeça crônicas, dores musculares, gastrites, diabetes, hipertensão... Ao menos aparecem em exames, são “científicos”, mesmo que não saibamos as causas reais (“idiopáticas”, “essenciais”, como chamam). São os mesmos processos refletidos em órgãos palpáveis, órgãos que também fazem a fortuna das indústrias farmacêuticas. E na verdade, a maioria dos pacientes encaminhados aos nossos serviços destas unidades já chega com uma prescrição de um ansiolítico (diazepam, bromazepam etc.). Ou fazem uso de um deles há anos. Estes pacientes também chegam aos postos em busca de um comprimido milagroso. Todos os sintomas, somáticos ou psíquicos, parecem refletir um mesmo processo. Parecem provenientes de uma mesma origem. Fabricados ou traduzidos da mesma granja humana.

          Um escravo é alguém que precisa trabalhar para viver. Que é sugado por um trabalho monótono e remunerado com um mínimo para sua sobrevivência. Sim, os empregos escasseiam. Nem todos tiveram a chance de bons estudos. Os lugares ao sol são poucos.

          “Mas a vida teve também seus momentos felizes”, dizem-lhe. Felicidade deve ser também trabalhar anos e anos para enriquecer outras pessoas, trocar mensalmente quase todo o sangue pela sobrevivência, sem tempo de mais nada, a não ser trabalhar. Ou deixar todo um planeta cada vez mais pobre, doméstico, desértico. Morto. Mas é porque o trabalho dignifica o homem (o homem que manda, que ganha com o suor de outros homens?). Claro que existe, existirá sempre um tempo livre quando não houver liberdade: Tempo para a bebida com os amigos, tempo para a televisão, para uma diversidade impressionante de anestésicos inúteis. Para as fugas. Vão-se logo os “tempos felizes” e o que fica neste vazio?



          Nascemos da dor. Mães agonizam diante de um nascimento. A primeira coisa que um rebento faz é chorar, colocar sua estrutura biológica diante do mundo para sobreviver, como num jogo. Muitos aí são ceifados. E o rebento continua a colocar suas estruturas diante de uma Natureza nada piedosa. Passará por doenças, por perigos, será sempre o jogo de suas estruturas com o universo. Adentrará então o “mundo da cultura”, será “civilizado”. Aí então apresentará ao mundo, num mesmo jogo, novamente suas estruturas (agora psíquicas). Deverá ser capaz de aprender, tolerar frustrações, deverá preferencialmente ser incapaz de surtar (esquizofrênicos não escolhem suas esquizofrenias, sucumbem ao mundo com suas estruturas).

          Escapando disso tudo – ou então enquanto escapa disso tudo – deverá suportar toda a carga de uma quase nunca saudável vida familiar. Sabemos que a maioria das famílias de humanos não apresenta lá uma carga muito salutar para seus rebentos. Falo de pais alcoólatras, instáveis emocionalmente, parentes perversos, de abusos, enfim, coisas corriqueiras nestes e noutros tempos. Espancamentos, discriminações. Ainda em paralelo, a sociedade domesticadora. Escolas, igrejas com seus pecados, a competição injusta por um “lugar ao sol” – vagas em boas escolas e universidades. Empregos escravizantes. Surgem os “instintos” e uma nova família é envolvida neste jogo. Mais um a passar pelo mesmo corredor polonês. O antigo e inocente rebento de nossa historinha agora trará a este mundo nada insano e brutal mais outro rebento.

          Tudo no seio de uma sociedade abençoada e sagrada.

          Então o nosso rebento teve sorte. Aquela famosa praga de aniversário: “(...) muitas felicidades, muito anos de vida”! Isso de “muitos anos de vida” acaba dando certo... E nosso personagem envelhece, surgem as dores no corpo, o vigor físico vai-se aos poucos. Mais doenças, mais um jogo das estruturas (agora decadentes) com o Universo. Então nosso personagem sobrevivente começa a perder aos poucos as pessoas queridas, primeiro os avós, depois os pais e os tios, os irmãos mais velhos, os amigos mais doentes ou velhos... Se tiver sorte. Com mais sorte ainda poderá terminar seus dias numa cama, cada vez mais sem noção do mundo que o cerca, dando trabalho aos entes queridos mais novos que o cercam (e que seguem o mesmo caminho, caso tenham também sorte).



          Há algo de errado com nossos diagnósticos e ao que desejamos “readaptar” nossos pacientes.  “Reabilitar” à escravidão, a uma sociedade que cobra o nosso sangue e a nossa sanidade dia a dia, que impões valores e ideais extremamente egocêntricos e rentáveis. Seguir este caminho é adoecer. Corpos e mentes não suportam por muito tempo a alienação, por mais “adaptáveis” que pareçam. Então eu não posso falar de “cura” quando o próprio meio adoece. Eu posso falar de paliativos, de alívios temporários, de “remédios”. E disfarço isso com duzentos, trezentos transtornos psiquiátricos diferentes, milhares de códigos de classificação. E isso tudo torna-se muito rentável àquela categoria mais bem paga de escravos. 

          Numa "depressão" a primeira coisa que perdemos é o "sentido". Ao lado do ânimo que se esvai - ânimo para continuar "produzindo", exercer um papel condicionado que se arrasta há anos e nos "adapta" a isso tudo. Não há mais energia para continuar. O peso de nosso teatro torna-se insuportável. Dos nossos afetos. Mas vão-se os sentidos. Sim, aqueles sentidos que construímos com o que nos foi imposto pela civilização, pela família, por sonhos.   Vão-se os disfarces. Perceber que tudo o que vínhamos construindo e esperando nada significa diante de uma realidade maior que ameaça despontar. "Louco é o viajante que constrói casas no caminho" (Provérbio árabe). Chamam  isso de "F32" (ou F33 se não for o primeiro episódio), "Transtorno Depressivo", no Código Internacional de Doenças. Transtorno? Talvez um "Transtorno de Protesto Existencial", seguindo o estilo dos classificadores. Chegamos a um ponto onde questionamos os sentidos impostos e percebemos a imensa desgraça desta resma inútil de papéis existenciais agregados e condicionados. Algo em nós rejeita a escravidão e a luta insana de nossas estruturas com esta máquina. Eis um ponto que, de certa forma, representa lucidez. Aquela lucidez vivida com todos os sentidos e aparada no corpo com toda a força. Então sucumbimos. E boa parte continuará a sucumbir a este processo por toda a vida. 

          


terça-feira, 9 de outubro de 2012

2012 na Granja...

" Então, o que os senhores são? Eu digo que os senhores são um feixe de tudo aquilo que é associado pelo pensamento. O que os senhores pensam, isso os senhores são". (Krishnamurti)



          O que realmente queremos? E como podemos pensar em "mudanças" daqui de onde estamos e respiramos? Não conseguimos a obviedade, a visão direta das coisas que nos cercam e assolam. Porque dói sabermos o que somos agora. Dói saber-se mortal, entender a impermanência de todo este sonho, dói. E a dor traz o medo. O medo que contrai. A dor é o estado usual do ser, sempre variando conforme nosso grau de consciência.




          Eis 2012 às nossas portas. Para 12 de dezembro ainda nos restam 64 dias. Para 21, 73 dias. Mais uma vez a humanidade voltou a sentir os sérios sintomas de "apocalipsismo agudo", estranho mal que acomete humanos a cada dobra de milênio. O atual "corpo místico" destes tempos, divididos em inúmeras "facções", aponta tantas certezas e desfechos, tantas tragédias para esta festa, numa confusão de fazer dó. Tenho nestes últimos meses seguido vários blogs e grupos para ter uma visão panorâmica da coisa. São tantas certezas e tantos conselhos quanto são os grupos que atuam, pesquisam, opinam. Como formigas em folhas perdidas num grande rio incerto.

          Seria cômico. Chega mesmo a ser cômico aos racionalistas, ateus, céticos e agnósticos que pensam de um outro lado deste mesmo muro. Mas eu não rio. Aliás, também estou neste rio.

          Sim, o velho planeta chegou até esta dobra de milênio num estado realmente aterrador. Conseguimos nestes últimos tempos avançar tanto nosso aspecto neoplásico, humanizamos tanto este planeta que agora agoniza e converte-se em dejetos petrolíferos... E nunca fomos tão escravos, tão servis às grandes corporações, aos corruptos da política, a este laboratório insano e cruel que representa esta civilização. O mundo comporta-se realmente  como  se governado por algumas elites específicas e entrelaçadas, associadas em mecanismos conspiratórios (como aquela pirâmide "illuminati" que abunda pela net). Tudo parece uma imensa e impiedosa granja onde humanos são amontoados, vacinados, engordados, perturbados e violentados para o engorde e o abate. Ao mesmo tempo que nossas mentes são dispostas em estúpidas prateleiras de condicionamentos e alienação pela educação moderna - para funcionarmos como estúpidos robôs programados e domesticados - sim, "Matrix".



          Pois bem. Confusão na granja de humanos. Místicos correndo para todos os lados, diversos "caminhos" tecidos num verdadeiro tsunami de informações contraditórias e questionáveis. Céticos disparando soltas  risadas deste movimento caótico (enquanto seus poleiros incendeiam lentamente e não percebem). A "casa" está pegando fogo desde os tempos de Sidarta, mas poucos realmente sabem o que isso significa. Poucos conhecem a saída. A impressão que tenho é que um silencioso grupo se diverte muito com isso, dispondo oportunamente esta confusão para a granja de final de milênio.

          Se eu fosse um "Illuminati" e percebesse nesta granja alguns humanos começando a perceber a coisa, se fosse um pouco mais reptiliano do que pareço, faria exatamente o que a internet faz: Disponibilizaria inúmeras informações questionáveis, semearia diversas tendências e grupos "libertários", conspiracionistas, disponibilizaria "mensagens" de inúmeros arcanjos e capitães interestrelares interessados na salvação das aves desta granja... Encheria o youtube de óvnis e nibirús, a cada dia mais "provas" e "provas"... E a cada dia, mais grupos e grupos diferentes, mais dúvidas, em essência... Mais Divisão dos grupos libertários. ... E contando sempre com os EGOS humanos. Pronto. Armado o baile das aves humanas desta granja. E continuaria a manipulá-las do mesmo jeito de sempre, em silêncio. Não sou paranóide (tanto...) mas sinto, às vezes, alguma coisa imensa e oculta  a silentes gargalhadas por cima de nossas confusas cabeças.



          Tudo está confuso agora. Fato. Algo parece estar acontecendo na surdina, inicialmente, e digo também Fato. Alguma coisa parece sim estar prestes a acontecer - e algumas coisas não desejam que saibamos o que, como, onde (Minha saudável paranóia novamente exclama: FATO!). Os habitantes da Granja de humanos estão agitados e confusos - Uma grande parte apenas tentando sobreviver, uma outra parte cética a rir-se de nós e a  confiar numa certa "sciencia" (a mesma que fabricou e fabrica suas grades e poleiros), partes corrompidas que recebem uma maior quantidade de ração e poder (enquanto perpetuam a escravidão geral... Estiveram em festas no último dia sete...)...

           E minhas gastas e velhas botas perguntam-se: O que fazer?


          As informações estão soltas, inúmeras, talvez dispostas oportunamente numa variada salada de confusões... Confiáveis? Qualquer um que comece a escalar estes montes certamente ficará confuso. perder-se-à numa irracional exigência de critérios incertos. Sempre é bom observar, rastrear possibilidades e caminhos, informar-se. Mesmo se as coisas são movediças e de veracidade duvidosa. É o que venho fazendo nas noites insones, viajando por inúmeros blogs.

         Mas tenho que seguir um caminho de "certezas", quero saber o que está para acontecer e como me preparar para isso. E digo que por esta densa floresta é impossível. Aprecio sua vegetação exuberante, as linhas de pensamento místico, os grupos, aprecio espécimes bizarras, envolventes, estudo suas estruturas com curiosidade, mas é só isso o que posso fazer. Nenhuma garantia de que este ou aquele caminho, esta ou aquela hipótese sejam reais. O que a maioria de nós buscadores faz é uma entrega. Simpatizam com esta ou aquela corrente, encontram sentidos e mergulham nelas com uma força e uma radicalidade que somente egos podem criar e manter. Sim, egos. Não sofrem transformações profundas em níveis egóicos, sofrem entregas que prometem transformações, mas a nível de quê? Em nossos desesperos seremos sempre vítimas destas entregas.



          Penso que tudo deve começar por aquilo que realmente dispomos. Nesta alquimia interna a única matéria prima que nos cabe é aquilo o que somos agora - Os nossos próprios conflitos e egos, o solo deste subterrâneo pavoroso de onde existimos - "isso" que não tem nome nem forma mas me faz errar sempre da mesma forma (repete-se ciclicamente), "isso' que me povoa de medos e inseguranças, que cria meus sintomas e conflitos. "Isso" que rasteja silenciosamente por trás de cada máscara nossa, de cada engano, esquecimento, insônia... Que nos obriga a calmantes e outros anestésicos tão mortíferos quanto estes. Esta é a única matéria - prima por onde posso começar o trabalho, inquestionavelmente o trabalho mais importante de minhas existências. Aprofundar a consciência (seja lá o que ela seja) nestes entulhos nervosos e inquietos, em suma, nossos verdadeiros tesouros. Pois é deles que o "fogo" da consciência vai arder, vai alimentar-se, talvez um dia atrair seu mercúrio e transcender. Não é uma entrega ao Venerável Senhor da Chama Rosa, ao poderoso Comandante das Naves de Poseidon, ou aos Sagrados Guardiões dos Portais de Ô-Hay-Hô. O que estas criações duvidosas fariam com todo o sagrado lixo que carregamos (e fazemos questão de ignorar, de não olhar, de negar)? - Talvez dessem boas risadas, talvez estocassem tudo para um próximo coffe-break numa distante galáxia perdida. Esperar que naves venham a nos abduzir um pouco antes de explosões nucleares ou tsunamis, trazendo o Poderoso Elixir da Iluminação e do Rejuvenescimento... Bem, isso até pode acontecer, mas o que estes incautos estariam abduzindo, que confusões e traumas estariam carregando para suas colônias? E quem me garantirá que estas colônias intergalácticas não sejam outras granjas para humanos um pouco mais limpas e confortáveis? Sim há perigo por todos os lados, há perigo em ficar, há perigo em partir, há perigo em dar-se de ombros e rir-se. A Mansão de Sidarta pega fogo há milênios e a floresta lá fora para onde poderemos correr é perigosa.



          Não é a um 2012 apocalíptico que devo temer agora, a uma terceira guerra mundial recheada de naves bem intencionadas, não é a Nibiru ou ao batalhão de illuminatis reptilianos... Não, há algo muito mais tenebroso do que até a própria granja para humanos onde esperamos pelo abate: A minha ignorância, patrocinada pelo ego e pelo medo. Este lixo não trabalhado que ganhou vida e nos colocou aqui. Isso é muito mais perigoso -  e são as únicas coisas em que posso por as mãos (a consciência) - isso esconde o único portal que, se atravessado, poderá levar-me a talvez outros portais mais sagrados. Sim, meu portal mais sagrado esconde-se com todo este lixo que me tortura, me assola e me faz acreditar sê-lo. Minha libertação começa a partir do momento em que me agacho curiosamente sobre minhas podridões, idiossincrasias, sintomas e crenças - quando deixo de curvar-me a eles.

          Não há um método. Nem um caminho, um mantra, não há um mestre, um tratado esotérico que me sirva neste começo. Há o que há - uma consciência oprimida tentando enxergar-se. Algo de uma simplicidade que fere. Como a luz da manhã cortando os olhos de quem desperta de uma longa e tenebrosa noite.



          Minhas sinceras admirações a todos os buscadores inconformados que encontro pela net, pelo face, em uns pouquíssimos e caros amigos próximos. Nenhum radicalismo. Isso tudo é uma "democracia mística" e, sem radicalismos, todos podemos falar, expor. Queria trazer apenas algo que considero uma pequena contribuição - como as muitas que recebi de todos os vossos grupos, blogues, comunicados, sites (especialmente sites  da FIA e do Universo Spiral, no face). E aos companheiros de Jornada Alsibar e Dalsan Arnaldo.

          Não importa o que venha a chegar com 2012, mas em quem este 2012 chegará.





       
       


       

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

03.10.2012.... 0h1min






0h 1min. Ventos fortes por aqui, dançam nos fios dos postes como os sons das neves e montanhas.
O mar explode na esquina em ondas de maré cheia, meu silêncio de agora. Aqui parece bem longe do mundo, mas me trás o mundo.
Bem longe das pessoas, mas estou com elas. 
Aqui também é inferno, embora apenas com um demônio e sem sofrimentos alheios.
Um corpo de carne digita isso. Uma alma de vento observa. toda uma casa de exílio e noite compartilha.
A alma do que está aqui agora. O mundo se debate lá fora e ainda temos paz por aqui.
Minha Sorte. De ainda poder escrever e sentir, de ser Vento. 
Desconheço outro sinônimo de liberdade.
Os grandes ventos de Outubro que poucos conhecem.





domingo, 16 de setembro de 2012

Neoplasias Políticas


          Dias quentes, o vento começando a tomar força, ressaca das belas luas de agosto. Dias implorando por migalhas de lucidez até ontem ou anteontem. Mas tudo tranquilo no trabalho com os pacientes, suas dores e dramas. Eclipse de alma - eclipses não são perdas.



          Época de eleições, o grande Circo Humano Dos Barulhentos Alienados corre solto. Como se o velho "humanossarcoma citadino político" estivesse agora no Cio. Estranha lesma que se reproduz a cada dois anos. Reprodução do mesmo vampirismo, da mesma alienação secular - não, partes importantes nossas não conheceram a Abolição. Como os humanos (vítimas!) entregam-se a este condicionamento, tomam isso por existência, como tudo isso é pobre. E podre.

* * * 

          Uma "democracia". Estranha religião que nos inculcaram, tentando fazê-la significar "liberdade". As coisas nas mãos de uma suposta elite dirigente. Mas o que é esta massa? E a que consensos tenho que me submeter, a que ideologias, a que movimentos devo ser democraticamente atirado? Preciso viver numa "sociedade" e isso exige adaptações, perdas, negociações. Somos famosos por não darmos certo em regime algum. Diversos guetos convivendo em pequenos espaços, suas múltiplas necessidades acimentadas em confronto, o caos nosso de cada dia sufocado e a sagrada repressão da qual coletividade alguma pode abrir mão. Talvez seja dos regimes menos conturbados, com mais possibilidades de acertos, exigindo manipulações mais sutis. 



          Massas funcionam sob manipulação. Quem já preparou a massa de uma lasanha ou de um pão, quem já liderou grupos sabe disso. Governar é a arte de jogar com manipulações de forma que se tenha, ao final, a massa o menos sovada possível. Em democracias, torna-se a arte de negociar com diversos manipuladores para a obtenção deste resultado.  Somos seres com necessidades múltiplas, convivemos ao lado de grupos heterogêneos, também com suas necessidades e o reduzido espaço para esta convivência tornou-nos interdependentes. Talvez não haja outro jeito de lidar com isso. E como em todas as artes culinárias, diferentes tipos de massa exigem diferentes manipulações. O bolo acaba saindo sempre a soma das caras de seus componentes, seus farelos. 

          Irritantes farelos. Por que precisamos ter que ouvir nestes dias, e em altos decibéis, uma ladainha estupidificante (e em modinhas ridículas) pregando maravilhas deste ou daquele candidato a manipulador? Precisamos disso? Precisamos de cartazes? Escolher um candidato deveria ser como uma meditação, um recolhimento consciente, alguma coisa livre de tantos apelos idiotas. Mas a nossa massa precisa ser convencida, martelada, precisam impor a esta massa fortes apelos condicionantes. Outro jeito não serviria a esta massa que não pensa. Propagandas vendem produtos, convencem-nos de necessidades, propagandas empurram produtos. Seres inconscientes só podem ser trabalhados desta forma. Sempre achei um absurdo isso.



 * * * 
          
          Não vejo o estado destas coisas como apenas consequências inevitáveis de um embate heterogêneo de seres, grupos, populações. Em essência, as coisas estão numa forma que interessa a algum grupo manipulador. Nossos baixos patamares culturais, os baixos salários de professores e policiais, todo o circo pago a peso em ouro, a violência crescente, a vida banalizada. O planeta convertendo-se em deserto, a morte das diversas espécies. Não é por acaso este comportamento neoplásico da humanidade, um funcionamento visivelmente oncogênico. Não pode ser por acaso. Existimos na lógica das imensas granjas, o tempo e a energia roubados por toda nossa vida útil. Rotinas secas impostas dia a dia, a morte do tempo livre para si, para as coisas internas. Não há lógica perguntarmos o porquê de nos submetermos a isso, em nome de quem doamos nossa consciência e nosso sangue. O contato cada vez mais difícil com os ciclos naturais, o preconceito de estarmos no topo de uma pirâmide natural diante de outras espécies. Trocando em miúdos, há um porquê para a morte da consciência neste insano regime de escravidão. Interessa a alguém que sempre sigamos tendências estabelecidas e comuns às massas. E se a dor arrancada pela violência diária é o que impera em nossas atmosferas existenciais, juntamente com o medo e a fuga, isso também deve interessar.

           Penso também na troca da "religiosidade" pelas religiões - a massificação de uma busca íntima e profunda - o deslocamento de nossos sagrados templos internos para igrejas dogmáticas e absurdas. Um caminho íntimo que deveria desfazer-se no silêncio da consciência individual sendo violentado e convertido em modismos salvadores inúteis. Um deus. Diabo coletivo maquiado em nossos desesperos por aqueles que lucram em abafar consciências e espiritualidades. Afastaram-nos desde a infância daquele recanto íntimo e sagrado, do único lugar onde poderíamos experimentar a verdadeira conexão. Um time de futebol. Uma oportuna tendência. Nunca uma religação. Estes tipos de monstros manipuladores também são muito bem pagos - o estado permite isso e em tons de "liberdade". Como permite o escoamento absurdo do dinheiro aos entes do circo. Isso é desordem, desarmonia, nem ao menos "caos" cabe aqui.





          Como poderia uma massa neoplásica dar certo? O crescimento desordenado e desarmônico, a ausência de inibições, o desligamento de outros tecidos (a perda da interdependência harmônica dos demais tecidos), como estas diretrizes poderiam levar esta massa a algum outro lugar que não a autodestruição? Cânceres e humanidades agem destes padrões. Levam a matriz invariavelmente à morte (a não ser que sobrevenha a "grande extirpação"). Isso também não querem que saibamos. Os habitantes de uma granja não precisam saber a que realmente são destinados, nada sabem de panelas e mercados. 

          Estranho nossa propriedade intrínseca de "cancerificar" outras espécies. O que criamos com isso? Galinhas e bois adaptados a granjas e açougues, as pobres mascotes (cães e gatos) abandonadas por ruas imundas, famintos, também multiplicando-se desordenadamente (à nossa imagem e semelhança neste aspecto). Pássaros em gaiolas para serem trocados por dinheiro, zoológicos, indústrias de pele. Tiramos do seio da natureza espécimes selvagens e os adaptamos às  nossas desordens. Outras espécies que não serviram a este banquete amargam em extinção. Sim, o mundo tem fome, o mundo cresceu desordenadamente a ponto da insustentabilidade. E as neoplasias também. Mas deus disse que éramos a sua imagem e semelhança, que éramos superiores a todos os demais tecidos vivos, que todo o universo por ele criado o foi para nosso uso. As neoplasias também agem como se tivessem uma visão bem utilitária de suas matrizes. Sim, um deus neoplásico e sua criação absurda.

* * *



Sim, há desordem ali fora, funcionamos como uma massa neoplásica no tecido sagrado da Natureza,
aqui estamos numa granja ardilosamente planejada, religiões, democracias, a política...
Há desordem também aqui dentro, a desordem que mantém o sistema e suas idiossincrasias.
E perpetuaremos esta desordem neste próximo mês. Aceitaremos tudo aquilo que colocaram em
nossas cabeças, levaremos adiante esta farsa de existência, afinal, somos democráticos. Podemos escolher.
Numa democracia "rebanhista", num intrincado jogo de dependência das estruturas do sistema, com a consciência de que somos peritos em não darmos certo com nenhum regime - o que podemos fazer?

* * *

Tolhidos pelo medo, seguimos em frente perpetuando a existência de rebanho e quanto mais nos debatemos, mais esta intrincada teia nos sufoca. Conseguimos algum alívio temporário
com nossos brinquedos, nossas anestesias, analistas, remédios, deuses, compulsões... Nossas máscaras.
Aprendemos então que "é assim". Que isso é normal, espécie de "preço" por existir. Certo. É uma democracia. Alguns felizardos podem escolher o tipo de açoite que os tocará para frente. Eu digo que não podemos fazer nada. NEM MESMO CONTINUAR.



Um pessimista tece futuros sombrios baseado em fatos reais. O otimista acredita num futuro melhor, possível, baseado em sonhos sobre fatos reais. Mas um realista nunca trabalha no tempo, como estes dois. Não sonha. Desloca sua análise para o presente e dele não divaga. Aceita a tragédia, não a julga, mergulha profundo sem importar-se com o preço deste mergulho. Sabe que nunca mais será o mesmo quando voltar à tona.

Soluções? Sonhos ou amarguras seriam soluções?
O que podermos fazer por esta sociedade, por este mundo, tudo o que fizermos será sempre baseado nestes três aspectos.



Encarar as coisas numa ótica otimista ou pessimista, trabalhar tudo em termos de "tempo", nenhuma diferença. Se mergulho na coisa como ela está, se não sou destruído neste mergulho ou não fujo do que está aqui, certamente chegarei à conclusão de que é justamente daqui, deste agora, que posso agir. Só posso mexer as coisas a partir daquilo que realmente tenho. E se abandono tempo, sonhos, ilusões, amarguras, se abandono condicionamentos e idealismos, então terei apenas a mim neste agora.

Estarei aqui, totalmente, pleno. No único lugar de onde posso agir. Tudo o que faço integralmente reflete-se no mundo. A qualidade de minha presença neste agora será um ponto de partida para uma verdadeira revolução nesta granja oncogênica. A única revolução verdadeira, possível, real.

É a sutil qualidade de minha existência presente - e não minhas ideologias, meus votos e todos os meus "ismos" absurdos - é isso que modificará este mundo insano. É o como eu sou plenamente agora que fará a diferença. E não os meus gostos, as minhas caridades, meus "ativismos", minhas ideologias - nada disso adiantará sobre uma personalidade caótica, sobre uma ovelha cega e suculenta.


Ou nos libertamos ou é melhor nem agir.


* * *











          

          


terça-feira, 7 de agosto de 2012

Cheias de Agosto

Cheias de 07 de Agosto de 2012, 23h30min, Majorlândia













Dedilhações

          
         Venta forte esta noite, a lua nascerá logo. Cheia de agosto (iniciou-se há quatro dias). O estrondo das ondas e das folhas em movimento calam profundamente este momento, calam a ferros. 


          Tempos que convidam à introspecção. O pior da solidão já passou há alguns dias. Continuamos aqui, sós, perdidos, mas isso tem importado pouco. E sem as bençãos dos vinhos. 


          Conversava (digitava) há pouco com um grande amigo de outro estado com o qual tenho grandes afinidades. Alma sensível e questionadora, professor de uma universidade,  físico. Eu estava estagnado em idéias. Seus questionamentos me tocaram profundamente, atiçaram meus dedos, trazendo novamente este velho cérebro às letras. Foi como se eu nunca tivesse pensado isso tudo antes - isso tudo que faz parte dos meus dias há anos. Me trouxe inquietação e movimento para estas horas de noite e ventos.

                                                                          * * * 

          "Você assistiu ´O Pequeno Buda´, de Bernardo Bertolucci? Conta a trajetória do Príncipe Sidarta até tornar-se um buda. Seus pais, por amá-lo demais, o protegiam de tudo o que julgavam ruim: doença, pobreza, dor, sofrimento, velhice e morte. Vivia um mundo perfeito até que um dia viu tudo aquilo o que lhe foi ocultado de uma única vez e sentiu-se profundamente perdido. A partir daí começou sua busca pela iluminação. Primeiro, acreditou que seria possível encontrá-la a partir do sofrimento, passando anos meditando na frente de um rio, embaixo de uma árvore, sem comer ou beber caso não caísse uma fruta da árvore ou chovesse. Foram anos nesse sofrimento até que um dia ele viu um homem em um barco ensinando uma criança a tocar um instrumento indiano: `Se você deixar a corda frouxa, não produzirá som`, dizia o homem à criança. `Por outro lado, se você apertar demais a corda, ela arrebenta´, completou. A percepção do caminho do equilíbrio  foi o início da trajetória de Sidarta para o Nirvana e tornar-se Buda, na linguagem de Bertolucci. Percebo semelhanças. Você se isolou, sofre. `Um sofrimento necessário´ segundo suas próprias palavras".


          Não, não estou buscando sofrimentos... Apenas tenho estado comigo e todo este caos que sou. Quando morava com alguém, eu não "era - para - mim". Era para minha companheira. Não sabia como era "ser - para - mim".  Precisei ver-me "para - mim", reagindo com a vida - e foi o que fiz nestes últimos cinco ou seis anos... (...) Tudo é relação. Com o que me relaciono agora diuturnamente? Com minha interação (relações) com o mundo. De primeira mão e quase sem disfarces nalguns momentos. Foi foda no começo (ainda é às vezes)... (...) Bebia muito no começo. 


          "Não sentes falta de alguém"?


          Sim, sinto falta às vezes de uma companhia, sexo, filmes, boas conversas, contacto. É o que mais me perturba, às vezes.    


          "Você vive um paradoxo, então... Quando tinha alguém não conseguia perceber-se. Agora, integralmente para você, sente a falta de alguém".
        

            Sabia que este era o papel desta "casa" - casa dos ventos - "Ventificar" tudo - a consciência de sermos o e um com o vento. Um último estágio de "não-sei-o-que" indo para um "não-sei-aonde". Sinto falta, normal, mas isso não me toma o tempo todo. Não me parece um paradoxo real. Sim, é muito bom o "outro" em seu dia - a - dia, em suas noites, suas conversas, filmes... Mas não  busco agora o outro como um desesperado, como quando "me' buscava ao lado do outro. Precisava viver esta relação "para - mim". De que forma a viveria?       


         " Penso que algumas inquietações nos acompanham, estejamos onde for".


          Não sei para onde vou depois ou como vou. Busco esta consciência plena destes "agoras", do estar aqui, sem outros nomes ou fantasias. O que fizer com esta consciência depois, aonde isso irá me levar, não importa.


          "Esta busca sempre estará com você, com alguém ao seu lado ou não. Na Casa dos Ventos, em Porto Alegre...".


          Após cada porto, como será a busca? Acredito que as coisas funcionem como se em "níveis sobrepostos". A distância percorrida de um nível a outro, o atravessar fronteiras, "transcendências". Há uma forma de ordenar a casa que vem de dentro, que é rara, que pode custar uma vida (ou muitas). Equivale a jogar-se num útero ao lado de quatrilhões de outros, em busca de um óvulo (e apenas uma vaga!). Chegar ao óvulo custa a sorte sobre todos os outros e a perda da cauda que te movia. Esta é uma transcendência da natureza, Claro que não existe competição neste processo. Existe um pareamento de forças, um jogo de possibilidades... Nenhum espermatozoide compete com outro espermatozoides, eu vejo como um pareamento de forças. Nenhum "autêntico buscador" compete com outro. (...)Tive a sorte de, cedo, ter conhecido estes mecanismos, estas coisas. Mas foram anos e percalços até isso começar a amadurecer... Começo agora a viver isso na pele. Sempre vivi com isso incrustado e agora isso começa a florescer. Acho que nasci para isso. Os anos foram se passando (com desinteresses, fases mornas, frias) e fui vendo que nasci para estas coisas.


          "Pelos seus argumentos, se você conseguiu apaziguar as atuais inquietações, outras virão. Se você está satisfeito investindo energia e tempo neste movimento, não questiono qualquer coisa. Por outro lado, algo falta. Algo que não esteja em você. A solidão da Casa dos Ventos não será suficiente para encontra-se... Ou você quer acreditar que nasceu para isso?"...


          Não vou jejuar abaixo de árvores "frutuosas" à espera de chuvas (aqui eu morreria de sede!)... Isso aqui não é um jejum. Me parece um "estágio". Amanhã não importa, aqui é o tempo da consciência. Não busco apaziguar inquietações, seria ridículo (mais fugas... fui muito bom em fugas). Observo fenômenos - como a lua nasce assim e em tal hora, observo sentimentos, observo carências, estados bons e estados ruins que nascem aqui e se vão. Observo cada vez mais intensamente. Não quero "me encontrar". Não parece haver nada para encontrar-se num mundo essencialmente de desencontros. Isso aqui é um pedaço do universo onde existo e forjo esta existência. Isso aqui é um ínfimo pedaço do Universo onde parte de mim acontece, movimenta-se junto com estrelas e sensações, dores e alegrias...Isso aqui é uma ínfima nuvem que passa em velocidade vertiginosa, sem começo nem fim.


          "Em uma forma simples, o que você espera deste estágio? Simples...


          Esperar não me parece viver. É estar nos sonhos, desejos, fantasias, pensamentos. Daí definirem "tempo" como "pensamento". Não espero, tento ver. Nalguns poucos momentos a visão é quase clara, noutros é turva, mas a "paixão" associada ao ver vem se tornando mais forte. O que tenho do amanhã? Pensamentos sobre um amanhã. O que trago do ontem? Pensamentos. Nunca planejei nada em minha vida, nunca consegui realmente isso. Não quero fugir nem sonhar, esperar ou coisa parecida...


          "De uma forma simples, você quer se perceber em plenitude pontualmente? Entenda plenitude com todas as formas possíveis. **Eu vou dar aula em dez minutos. Não estou fugindo e nem com síndrome de TIM..."...


          O que pode acontecer com uma consciência quando ela atravessa uma região de sonhos, transcende este espaço? O que ocorreria ao portador desta consciência? Desintegraria? Enlouqueceria? Passaria o resto da vida embaixo de uma árvore a meditar, frente a um rio, esperando frutas maduras e chuvas? O que sobraria para um ser que não vive mais pensamentos? Como seria este vazio? Como poderia um feto descrever-se a quatrilhões de espermatozoides? Como estes planos bem diferentes, em suma. poderiam comunicar-se? Eu não sei.


          " (...) O semestre começou ontem mas já estou exausto... Não queres ir dar uma aulinha em meu lugar " ?


          Há! Há! Há! Sobre o que???


          "Metrologia científica... "


          ... ??? Há! Há Há!!!! ... uffff... Desviaria o assunto para "A Concepção Tradicional Chinesa Antiga à Respeito das Propriedades Místicas dos Caroços da Melancia e Suas Relações com a Física Moderna"... Provando brilhantemente que não existe relação alguma entre elas...

                                                                          * * * 












sexta-feira, 20 de julho de 2012

Tempos de Abandono. II

       
       
           Mais dias quentes e abafados, acordares sugados, algo cresce ainda nestes tempos. Mas mil vezes a dor que surge com a sensibilidade do que o torpor humano característico, a cegueira de alma que também anestesia. Toda contração é dolorosa. E é destes tempos a contração.

          Não sei o que outros seres mais sensíveis andam pensando destes dias. Talvez  o isolamento das comunicações nos mostre um momento íntimo, individual, quase nada para compartilhar - processos internos. Um mergulho solitário e silencioso. A cada um suas profundezas com seus momentos de mergulho nestas profundezas. Gostaria de compartilhar impressões destes "agoras", ainda possuímos certos instintos gregários, mas os tempos pedem silêncios e mergulhos.

          E tudo pelo processo. Padrões. Em tudo, muitos irão tombar. Enquanto escravos, sem culpa. Como na fecundação, a morte de milhões de espermatozoides para a coroação de apenas um ou dois. Para cada árvore, milhares de sementes mortas. Isso é um padrão. Padrões são estruturais, são soberanos. E conseguem ser ocultos. Chamar isso de "competição" é construir idéias da realidade a partir de simulacros de realidade. Sementes não competem entre si pelo germinar. Atiram-se ao destino e caem nos solos, seguem um padrão, apenas são possibilidades no jogo do Universo. A morte é parte da vida, nossa mais dura lição. Tortura aos seres portadores de ego. Não há melhor sorte. Há o que há.

          Daqui de onde existimos e vemos as coisas, deste simulacro humano de "natureza", egos e preconceitos se fundem numa cegueira sem igual. Vestibulares imitam germinações. Os "vitoriosos" chegam lá, os outros, escravos. Imitamos a natureza da forma mais estúpida possível. E daí tiramos nossas conclusões (afinal, somos "racionais" - a meu ver, "seres que comem ração - racionais...).

                                                                            * * *

          Daqui de onde escrevo agora pessoas almoçam em mais um dia de sonho, a televisão ligada em amenidades atrapalha um pouco os pensamentos. Comem. Cheiro de carne e arroz. Nutrem-se com não sei o quê (e nem sei prá quê). Habitam meus sentidos, pensam existir. Aqui compartilham o espaço "vencedores", "perdedores", depressivos (reconheço alguns pacientes), deslumbrados, corruptos (políticos), toda a corja de humanos que dividem alguns espaços com minha fome. Aqui estou também a escrever, fone de ouvidos nas orelhas, exercitando os dedos e idéias ao sabor do tempo.

          Seres que se nutrem aos barulhos de uma TV, as "teleidiotices" preenchendo na mente destes famintos espaços que poderiam ser "libertários" se silentes (mas doem, doem muito - dói acordar, dói nascer - e vai doer a morte). Só me dói isso quando penso no preço para um planeta que é vivo - o preço da cegueira egóica, humana, o preço da estupidez humana. Não fosse isso, processos. Compaixão. Nem aí para seus suicídios oníricos. Mas compartilhamos, infelizmente, um espaço sagrado - espaço que eles não enxergam.

                                                                                * * *

     

       
       

       

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Tempos de Abandono



          Ventos fortes esta noite, o mesmo silêncio de ventos e ondas. Semana "sugada", estupidamente rápida, nenhum tempo para pensar. A solidão atingiu níveis alarmantes na semana passada por aqui. Sem meus anestésicos tintos secos desde sábado. Sensação de que o mundo  silenciosamente conspira, trama, preparando-se na surdina para fazer-se em pedaços. 

          Algo faltando na "alma". A prisão destes palcos abafantes diante de uma percepção incompleta, algo roubado ao chão. Simplesmente a falta de Presença. Os dias estão quentes e abafados como estes cenários, a clareza inóspita que cega (de um sol que não conhecia). Mas tudo sem a "autopiedade" dos noutros tempos. Nenhuma fuga impulsiva, afetiva, apenas estar aqui com (e sem) o que se pode agora. 

          Trechos obscuros do (des-)caminho. Densos mares sem ventos. Estranha nau de velames parados, mas sem estagnação estranhamente. Há uma tensão calada que não é silêncio, precisava de alguma sobriedade para escutar estes tempos. 

          Não irei agora cair na tentação de achar que tudo isso foi somente em vão. Que todo este simulacro de busca foi apenas o caminho passando, carregando as sandálias para a morte. Prefiro enxergar o abismo que rasteja em cada passo, que sempre rastejou próximo. Ao menos concentra. 

          Tempos de Abandono. O "corpo afetivo" o sentia, sofreu intensamente isso por uns poucos dias, não conseguiu perceber no momento. É como se surgisse agora um tédio cansativo, o descaso deste corpo diante do momento, algo que surge depois da dor. Mais fácil perceber agora, o "corpo" deixa de lutar, exaurido, ferido, começa a simplesmente deitar diante do inevitável fim. Esta metáfora me seduz agora. Tempo de abandono. O "corpo" que sofreu o abandono é traduzido, observado, colocado no lugar de ações.

          Abandonar o caminho, o navio, as sandálias. Chegamos em um ponto onde podemos sentir, enxergar todo o trajeto percorrido, toda a ilusão de caminho. Andávamos em voltas, sempre em voltas, em direção ao abismo - mas todos os andares são em voltas e sobre abismos. Parte da coisa, do processo. Normal que chegássemos a perceber a inutilidade sagrada disso. Há que se andar em voltas e voltas, há que beirar-se precipícios... E  sorte de chegarmos a esta percepção. Caminhos são curvos neste plano.

          E?



          O "Krishnamurtismo" nos torna, após algum tempo de leituras, céticos "trancados". Vamos nos libertando de nossas crenças estúpidas, nossos "ismos", vamos englobando aos poucos este ateísmo diante do que é criado pelo homem (em seu próprio benefício). Por um lado, vamos desconstruindo toda uma estrutura imposta e cobrada pela sociedade, passamos a enxergar o que move este processo insano e brutal de "civilização", seus porquês, seus verdadeiros objetivos. Mas isso ocorre no tempo, e o tempo é o alimento do ego. Então tudo não passou de uma troca de egos, de prisões. Construímos um Krishnamurti à imagem e semelhança de nossas idiossincrasias mais íntimas - diria que fabricamos agora outro ego e o colocamos no lugar do antigo. Exatamente porque tudo isso foi no tempo. Pensamento. E o chamamos de "Krishnamurti". Teremos agora nossa versão patenteada de "Krishnamurti" para arrastarmos por toda a vida, ainda andando em círculos. Uma nova prisão. Bem mais confortável que a antiga (confesso que sou grato a ela por ter me permitido suportar tudo isso até agora e chegar aqui quase ileso). Mas uma prisão (em cujo pátio circular podemos passear ao sol por um pouco mais de tempo que antes, até voltarmos às nossas celas escuras). 

          A imensa maioria dos poucos que ouviram o canto da liberdade morreu aqui. Parou por aqui. Segue arrastando suas correntes mais leves, suportáveis, mas ainda aqui, circular, prisão. Quando o velho K. exclamava impaciente às multidões "Por que você não muda?", talvez esperasse a única resposta coerente: "porque agora somos você"... Sim, haviam caído na poderosa e sutil armadilha da identificação. Em verdade, apenas uma troca de identificações. Não sei se uns poucos desta turma atravessaram este penoso estágio. Se viveram para perceber o próprio "corpo afetivo" descer de vez com sua crítica mortal, seu tédio de abandono. Alguns voltaram às suas antigas prisões, revoltados, porque o Mestre não os presenteou com certas asneiras que chamavam de "iluminação". Porque toda "iluminação" que é dada não passa de uma asneira. Como o gran finalle do movimento Hippie: Largar as bandeirinhas e voltar aos escritórios... É, somos assim. Isso é humano e devemos continuar sendo.

           Precisamos mudar radicalmente - e é para isso que não nascemos. 

           Sobrou-nos então isso a que chamamos de "Krishnamurti", à nossa imagem e semelhança. Que temos como "o sagrado", a religião que seguíamos escondidos de nós mesmos. Penso que só nos libertaremos quando matarmos nosso K. - e se não o matarmos, morremos (com a derradeira morte, sem encontrá-la ainda em vida). Sim, é humano sempre se ter que matar algo para um "despertar". Que seja então algo esplêndido como Krishnamurti. 

          Tempos de abandono. De perceber-se neste caminho em vão que nós escolhemos, saber da necessidade deste caminho atrelada à necessidade desta percepção. E bem aqui neste palco de abandono interno e externo. Onde muitos se deprimiriam, enlouqueceriam até, se não fugissem. Perceber também que até agora andamos fugindo (caminhos circulares são sempre fugas). Que narcotizamos muitas vezes outros momentos semelhantes e tão necessários quanto este (mas os tornamos vãos, fugindo). E também entendermos que estas fugas podem ter evitado coisas piores - teríamos estruturas para nos mantermos ilesos diante do "tempo triste sem fugas"? Então não resta nada a criticar, nenhum arrependimento, ressentimento por nossos atos anteriores diante disso. Vejo esta "tristeza" (ou este "tédio existencial") como uma nova chance de encontrar o abandono. A hora, talvez, de tirar as sandálias e os caminhos. 







          Desconhecer a razão e a loucura incipientes, desconhecer finalmente caminhos, habitar plena e silenciosamente cada lágrima como um hóspede feito de vento e vazio... Ser o espaço do intenso, onde ele ocorre, é ser selvagem, extremamente, plenamente selvagem. 
          

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Lunáticas.I


     (Lua de 09.07.2012, 5h40min)


     (Lua de 09.07.2012, 23h)

          

     (Lua por um fio...)

O vício de fotografar luas me tomou há pouco mais de um ano, um ano e quatro meses. Praticamente todas as semanas a persigo, como um fiscal vagabundo de suas fases. Preenchendo um relatório visual a cada mudança de fase, um solitário observador em sua inóspita e excêntrica função. Escrevendo semana a semana, com imagens (amadoras) um álbum monótono, repetitivo, mas que me absorve. 
Suas mudanças são precisas, previsíveis, 
As mesmas luas todos os meses, as mesmas imagens que desfilam periodicamente nos céus... Sim, seria algo monótono se sempre fosse o mesmo "fotografador". 


domingo, 8 de julho de 2012

Religiosamente Ateu...




  • Nestor Mainieri Não acho que a consciência "ateia" deve se preocupar em confrontar... ser ateu pode significar muitas coisas. Pode significar uma grande liberdade filosófica, o cara se livra das merdas impostas pela religião e vive mais leve, por exemplo. Ou reage como criança traumatizada, ofendendo religiosos. O que me preocupa éo conflito inerente.
    Hace 16 minutos · 

  • Nestor Mainieri Esta imagem não mostra um ateu, mostra um crente revoltado com seu deus - mais um iludido a achar que um deus cria tudo. Alguns ateus agem como crentes revoltados, o que dá na mesma. Se não creio num deus, não posso me revoltar contra ele.
    Hace 15 minutos · 

  • Nestor Mainieri ‎"Deus" é uma palavra - uma palavra forte e carregada afetivamente. liga-se a porquês, vida e extinção, promessas, paraísos, infernos. Não passa de uma palavra. Uma criação humana. Deus enquanto palavra e condicionamento é digno de humanóides filosoficamente pobres. "Ciência" nunca foi uma religião, ciências são conhecimentos e instrumentos. Alguns ateus elegem a ciência como deus.
    Hace 11 minutos · 

  • Nestor Mainieri Por que extremos? Ainda não aprendemos o caminho do meio, do transcender o mundo conceitual. Estou sim num universo. A religião o deforma. A ciência não o abarca. Eu posso ter uma experiência única com o estar no universo, sendo parte óbvia dele, posso transformar de alguma forma minha consciência - sem deuses e microscópios entre as orelhas.
    Hace 9 minutos · 

  • Nestor Mainieri Depor o rei deveria significar nunca mais preencher aquele trono. Sim, um trono que deveria ficar sempre vazio. Pelo anarquismo Metafísico!!!!
    Hace 8 minutos · 

  • Nestor Mainieri O que encontro em meu embate com o universo diz respeito a mim e a uns poucos talvez. Independe de ciências, impaciências, religiões, independe disso. Que cada humanóide fique sob sua árvore preferida, comendo seus frutos proibidos, com seus venenos preferidos, que alimente este ou aquele sistema criminosos, não vou colocar as mãos sobre uma espécie condenada (ecologicamente, existencialmente, politicamente). Se cada um aspirasse à plena liberdade,   faria o mesmo, deixariam estas crianças se matando e seguiriam outro rumo.
    Hace unos segundos · Editado ·