quinta-feira, 31 de maio de 2012

Tardes.II

       
         Voltava do serviço e andava até o centro, uma boa distância. A tarde escurecendo - e isso acontece muito cedo por estas terras. O momento que mais sinto o dia, desce-me naturalmente um silêncio interno e, diante do cansaço do corpo, a "alma" vai ganhando forças. Como se acordassem os sentidos e a percepção. Posso estar no trabalho, numa caminhada de volta, num bar, a mesma sensação de mais vida e silêncio nestes momentos.

          Sempre algo a fazer quando chegasse ao fim da caminhada, um transporte para casa, ida ao banco, compras (geralmente água e um vinho), mesmo umas poucas horas no bar. Alguns pensamentos a este respeito surgiam, juntamente com outros provenientes de um dia cheio. Mas logo eram calados pela Presença do final de tarde. Por muitas vezes vivi segundos como apenas uma caminhada num findar de dia, sem sujeitos, pensamentos ou compromissos.

          Momentos cujas configurações energéticas nos tornam imediatamente presentes, colocam-nos em meditação ativa. Pontes com o pleno agora. Para alguns isso funciona ao nascer do sol. Perco-me nas tardes avançadas.

          Caminho em passos vigorosos, as botas parecem esmagar passados, futuros e pensamentos, sobe um estranhar de mundo que é quase um torpor. Nalgumas vezes a força física assume proporções inimagináveis, noutras o cansaço do dia me apresenta um suave torpor dolorido.

          Em cada migalha de chão percorrido deixava um punhado de sentidos, desejos, sonhos, um velho caminhão repleto de ilusões a derramá-las sobre uma estrada acidentada. Chegava mais leve ao final do caminho, mais vazio.

          Viciei-me nestas caminhadas desde que cheguei por estas terras, pouco mais de um ano. Talvez o momento do dia que mais espere. Muitas vezes procuro caminhos mais distantes. O andar só. Quase pleno. Quase vazio nalguns momentos. Chego em casa e a solidão (pela qual optei há pelo menos cinco anos) não chega a ser um fardo. Uma casa pequena mas distante da cidade, apenas o som do vento e das ondas, o silêncio quase perfeito, palco para suportar as dores que aparecem. Energia de uma mar e um vento que avançam, invadem os pensamentos, levam, uma casa de passagem (como a vida). Não queria estar aqui e talvez em nenhum outro lugar. Mas foi o canto onde o universo me colocou, e de onde o suporto, quieto, um portal.

          Meu dia reside há alguns poucos quilômetros daqui. A família e o coração, há milhares de quilômetros. Os poucos amigos, distantes também. Existo aqui noites comigo e com um punhado de gatas que sempre me esperam afoitas. Compartilham suas solidões felinas. E temos o vento e o estrondo das ondas próximas. Antigamente sonhava com um sítio nas montanhas e um velho jipe.

          Aos poucos desconstruo - e daqui deste estranho exílio - tudo o que me permiti acumular, me iludir. Aos poucos deixo este vento silencioso levar o que eu achava importante, sonhos, planos, egos. Como um lento despir-se diante da noite, um encontro com o que não resta. E nalguns momentos a alma explode em chamas de lucidez fora de tempo, apressada, como se não suportasse a espera mortificante destes tempos. Então procuramos as luas e a máquina, os poucos  vinhos, os escritos que escorrem como sangue. "Brinquedos" existenciais que aliviam por momentos o descompasso deste encontro.

          Excêntrico Mosteiro de ronins, ventos e ondas errantes no triste papel de mestres para almas selvagens em essência, as preces se resumem ao sagrado estrondo das ondas e ventos. A rotina é suportar-se e despir-se do mundo sem sentidos, passados, futuros, sonhos, ilusões. Não, não poderíamos caminhar com mais alguém por estas encostas sinuosas e profundas. Assim escolhi para estes "agoras". Assim fomos escolhidos.

     

         

       

       
       

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Dos Modelos

     

  Para podermos enxergar nossos cones e bastonetes devem estar limitados a um certo espectro de ondas luminosas. Devem ser capazes de modificação eletroquímica apenas num certo espectro de luz. O mesmo ocorre com nossa audição e os demais sentidos. Exatamente destacando de um "todo" hipotético a parte que mais interessa, uma seleção puramente utilitária. Muitas outras frequências de luz e de sons existem e alguns animais conseguem até captar frequências acima e abaixo destes limites.


          Digo que o conjunto de todas as frequências de luz ou sonoras são infinitas. Parto da observação de que um segmento de reta possui infinitos pontos. Poderíamos identificar infinitas frequências de onda num espectro qualquer destas. E não sabemos, por outro lado, os extremos deste espectro.

          A primeira frequência seria   a própria respiração do universo, seu ciclo de implosão - explosão, contração - expansão. A cada, digamos, hipotéticos quatrilhões de anos, uma onda. Poderíamos acompanhar esta escala, talvez outros ciclos de trilhões de anos, de bilhões de anos, milhões... De dias, horas, aí adentrando aos espectros do som e da luz. Interessante pensar que todas estas frequências originam-se  da frequência original, do hipotético pulso de "quatrilhões" de anos. Pois tudo começou a ser configurado nesta explosão, neste ciclo.

          Considerando o pensamento como um "sentido", como isso funcionaria?

          O "psiquismo", a "mente", esta coisa funciona como um campo energético dinâmico que se modifica na presença de diversos outros estímulos, energias. Desdobra-se em "sentidos", portas seletivas onde as modificações iniciam, modificam. Recebo toda uma carga de sentidos e os integro, recheando-os de afetos, significados, associações. A visão seleciona o campo da luz, a audição dos sons (campos estes contínuos, diferenciando apenas nas frequências). Propriedades moleculares (que são também vibrações) adentram por meu paladar, olfato. A qualidade destes estímulos me é formada nas associações destes, em sua integração. A dor, por exemplo, dor física. Um tecido é ameaçado de destruição (uma fonte de calor ou algo puntiforme tocando a pele). Sem nenhum pensamento me surgem reações fisiológicas de evitação (retirada do membro) e, em seguida, aquilo me vem como "desagradável", desarmônico, causador de sofrimento. Então percebo sua origem, sua causa. Julgo, de certa forma. Creio que aí nasça o pensamento. Ele não recebeu os estímulos dolorosos da pele, ele não foi criado nos receptores álgicos ou térmicos, ele surgiu segundos depois. Ele captou a impressão, as impressões registradas em meu "painel mental associativo". Diria que o pensamento nasce em um patamar "acima" (ou "mais interno") dos sentidos ditos fisiológicos. Mas os funde em uma estável configuração de representações.



          Neste modelo hipotético o pensamento funcionaria como um "sentido", mas num plano interior,baseado nos outros sentidos e livre destes, independente, de certa forma. Exatamente como se pertencesse a um "corpo" mais sutil. Ele trabalharia como uma ponte entre meu "corpo psíquico" - o "corpo das percepções" e minha consciência. Como uma "Função Integral", da álgebra. Apresentaria à consciência a "curva geral", seu formato e direção, oriunda de derivações múltiplas (informações dos sentidos). Cada sentido me daria um ponto desta curva e o pensamento funcionaria como um delimitador da forma geral. Esta modificação me chegaria à consciência, o painel geral, a integração destas funções de derivação.

          A Consciência começaria por confundir-se com um conjunto de pensamentos centrípetos, mas ela não seria um sentido. A "fronteira" entre a consciência e os sentidos captados seria o pensamento. A consciência desdobra-se disso, dos pensamentos, mergulhando sobre sua origem, uma transcendência típica. Pensamentos são informações afetivamente carregadas, com um sentido, transportadas para uma região que desdobra-se sobre si mesma. Uma região que funcionalmente nasceria com o pensamento, mas o transcende. Integra. Múltiplas Integrais.

          Um movimento físico-químico selecionado, modificando meus receptores fisiológicos, vai ser integrado a outros movimentos selecionados paralelos. Juntamente com as modificações fisiológicas causadas no organismo como um todo (como a descarga maior de adrenalina causada pela dor, ou o sono de um estímulo repetitivo), estas informações serão transportados, associados, formarão uma espécie de "vetor" (movimento puro). Cria-se uma entidade definida e mais estável a que denominaria "pensamento". A consciência então engloba este processo, como uma modificação em nosso "campo mental". Por fim, isso tornar-se à consciente se for tocado pelo foco de minha consciência, se não funcionar como os "estímulos subliminares".

          O sentido fisiológico, quando passa a existir para mim, o entendo como um vetor, uma representação organizada e intencional de movimentos. Espalham-se pelo meu "campo fisiológico" a despertar reações imediatas (em relação à consciência), como um reflexo de retirada, um aumento de adrenalina etc. O pensamento seria a "primeira integral" destes vetores, um vetor "de segunda ordem" neste processo. Configuraria este conjunto de movimentos a nível psíquico, seriam a representação psíquica dos sentidos fisiológicos. Uma "terceira integral" faria movimentar a consciência.



          Diria que a consciência pode (e deve) diferenciar-se do pensamento, distanciar-se de seu nascimento funcional, "presenciar-se". Como parecemos sofrer de uma "hipertrofia do pensamento", nossa consciência ainda centra seu foco nas operações do pensamento. Isso é a essência da meditação. Não realmente uma pura e simples separação, afinal estes processos todos estão integrados. Mas uma diferenciação. Um destacar-se. Voltar seu foco sobre si mesma. Aonde chegaríamos com isso? Sempre parto de que tudo são portais, vias para um movimento, transformações. A Consciência, enquanto a confundir-se com pensamentos, deixa de perceber-se como também a via de passagem para um movimento. Ilude-se ao acreditar que constitui uma entidade separada, que configura entidade. "EGO", como chamam esta errônea percepção. Como um verbo acreditando ser um sujeito - e um sujeito não passa de um verbo estagnado. Acreditar-se um ego é viver uma bela estagnação. Mas o que passaria por esta consciência se devidamente ajustada? Nada poderia dizer com precisão. Prefiro a palavra "REALINHAMENTO". Realinhamento ao restante de todo o processo. Nasce aí o Misticismo, então.
         

         

Crescentes

... Crescente de 22 de maio de 2012, Majorlândia


Crescente de 25 de maio de 2012


Crescente de 28 de Maio de 2012


Crescente de 29 de maio de 2012



terça-feira, 22 de maio de 2012



O Brilho do "Ser"...




... Nosso lado escuro...


                                                                         
... O que não podemos ser, o que não vemos, não vemos e sentimos. A pálida luz daquilo que "somos" tímida, encolhida... O medo...




... O que sou e que me mata quando escuro, o novo e o antigo, o que veio antes e o que virá, o que me existe para longe dos olhos.

A Isca do Pensamento.I


    • 21.05.2012

         23h34min. Percebi algo sobre o jogo "observador - coisa           observada" dia desses. Há o objeto. Passa a existir para mim quando toca meus sentidos. Então o mundo nasce onde é formado em meus sentidos. Percebo uma imagem (visão), um som (audição), ou um toque(tato), um gosto (paladar) ou um cheiro (olfato).Mas esquecemos que também percebemos pensamentos, mistos de afetos, imagens... Então seis são os sentidos. Assim era a fisiologia dos antigos budistas - os seis sentidos (recordo-me que discutia com o pai aos sete anos de idade a pertinência do pensamento aos sentidos - com muito menos argumentos, é claro... Engraçada lembrança agora).

      Bem, então um objeto construiu-se diante de meus sentidos. Forma-se a "coisa observada" - e ela foi forjada por meus sentidos. Está dentro de mim. De meu espaço de consciência (ou este espaço é que está fora de mim, para o mundo?). Em uma fração de segundo um enxame de pensamentos (idéias, imagens, afetos, os julgamentos, a importância) invadem esta percepção - a deturpam - e dão início à sua extinção ou a rotinas e caminhos de outros pensamentos. O objeto em si, formado  por "mim", perde-se de "mim" - o "mim" que percebe o objeto, o "mim" que percebe os "meus" pensamentos e a eles se atrela. Do "Penso, logo existo", de Descartes, surge o "Percebo o pensamento, logo existo" (o que Sartre percebeu mas deixou de dar atenção - está num dos livros de Eckhart).


  • Hace 10 minutos
    A consciência antecede o pensamento. Então há uma coisa lá que acompanha os pensamentos, que permite que eles se formem... Mas... por que a confusão com o pensamento, por que o deixamos há milênios nublarem nossas vistas e cansarem nossos corações? Acho que é porque aprendemos isso - o "racionalismo ocidental" - e isso foi-nos incutido para que nunca nos libertássemos. Há aí um ato intencional e que veio de fora.
    Hipertrofiamos há mais de cinco mil anos o sentido "pensamento", assim como nossa visão em detrimento dos outros sentidos. mas o sentido "pensamento" foi o mais hipertrofiado. E é daí que começa nossa escravidão ao sistema.
    A Isca do Pensamento.


  • Hace 4 minutos
    "Eu não consigo controlar meus pensamentos". Claro, como não consigo controlar minha visão, meu paladar, meu olfato. Controlo a atenção que dou a cada um deles quando surgem. Porque as impressões nascem de meu embate com o mundo através de meus sistemas percepcionais. Eles são representantes do movimento do mundo, letras para sua interpretação.
    ...
    Mas o pensamento me parece um pouco diferente. Quais seus órgãos, que sistemas o permitem, constituem?
    ...
    Veio-me a imagem de uma pequena menina em preto e branco, em antigas roupas de bailarina, sobre o sofá. Sorria e parecia estar numa dança estática. Nenhuma materialidade. Um nó de desenhos, cores, afetos, um hálito. De onde a tirei?
    ...


  • Hace 37 minutos
    Obtenho a matéria do pensamento provavelmente da mesma forma que obtenho a matéria da visão, por exemplo. Eu só posso tirar uma percepção de um movimento. Enquanto este sofá me surge do jogo entre meus cones e bastonetes com certa frequência de luz (após associado ao meu "painel mental"), enquanto interpreto uma modificação de campos energéticos a que denomino "sofá", meus pensamentos devem provir também de um movimento. Devo também, ao pensar, interpretar campos energéticos em modificação. Ao receber esta imagem da menina sobre o sofá, interpretava um movimento de vários afetos ou imagens em movimento.
    ...
    Hace 32 minutos
    Existe um movimento - um conjunto de movimentos - que interpreto, que significo, que construo como um pensamento. Há uma matriz que interpreta cada percepção. E sempre da mesma forma. A matriz que permite a construção do pensamento me parece, em essência, puramente afetiva. Ligada à minha construção de todo o mundo, de certa intencionalidade ligada ao momento, esta matriz percebe movimentos internos entre imagens, afetos, desejos (imagens e afetos), medos (imagens, afetos, desejos), rotinas - Condicionamento, cultura, traumas (afetos, imagens, medos, desejos)...


  • Hace 27 minuto
    São os olhos que olham o meu painel mental interno, é o nariz voltado para "dentro" que cheira, o ouvido interno, o tato... movido por meus desejos, intensões, tropeçando pelos abismos de meus medos, enfim. O "sentido pensamento", embora fundamentado nos sentidos voltados para o externo, alimenta-se, constrói-se de um conjunto de imagens e idéias concatenados, intrincados naquilo que chamava de "painel mental" - o fundo, a fonte de sentidos que fui construindo à medida que aprendia a interpretar o mundo, dar-lhe um sentido geral, à medida em que me educava "cívica" e neurologicamente. Um painel dinâmico que não mais apenas representa, mas significa o mundo que vou englobando.
    ...


  • Hace 21 minutos
    Conheço pouco de meu irmão. O "campo" deste painel mental que o representa constitui-se, em essência, de tudo o que trocamos, o que passamos, nossos afetos, nossos julgamentos... Eu não tenho aqui dentro meu irmão, tenho um campo de representações que aciono sempre quando "penso" nele. A construção deste campo é baseada nos meus sentidos, nas imagens resultantes, NO MEU JULGAMENTO destas imagens.Assim é com todas as coisas. Quando encontro novamente meu irmão eu não o estou encontrando, estou me relacionando, antes de tudo, com o campo de idéias e afetos de meu painel mental que o toca. Deixo de conhecer melhor meu irmão, deixo de me relacionar completamente com ele quando o encontro. Perco-o para mim.
    Assim passa a ser minha relação com todas as coisas. Com o novo. com a vida, sempre dinâmica. É esta hipertrofia do sexto sentido, este costume de me relacionar quase que exclusivamente com os conceitos das imagens que recebo.
    Acho que é disso que Krishnamurti falava, que Eckhart fala, que muitos outros denunciam... O pensamento tende a tolher as novas percepções com nossos preconceitos. Sinto quase que claramente isso quando revejo alguém, quando chego ao serviço, quando sigo um mesmo caminho.
    ...
    Hace 13 minuto
    Só posso perceber algo recriando-o num mundo "interno". Então seria correto afirmar que SOMOS a coisa observada, que somos o mundo que colocamos no espaço"fora" - que somos a deturpação destas interpretações. Que somos nossos descontrolados feixes de pensamentos, afetos... Que somos, de antemão, esta maquinaria absurda. Que ouve sempre vozes dentro da cabeça e a elas se rende... Somos o processo destrutivo todo. Ou somos isso também? 
    ...
    O que me resta disso tudo? Meu "ser" limitar-se-á aos meus processos. Onde eles estiverem, serei. Se meus processos configuram agora este mar de traumas, desejos, esta cacofonia silenciosa, este caos... Se configura esta parafernália desarmônica - então isso sou eu agora. Esta matriz torta por onde passa a energia nova, que a deturpa.
    Não há como sair. Há como deixar. Não deixaremos nunca de sermos a nós mesmos. Podemos colocar o ser nesta máquina absurda que se autodestrói a cada minuto. Ou podemos colocá-lo na vida que interpreta-se a si mesma, livre.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Casas.I


..... Gripe infernal há dois dias. Sempre a sinto chegar antes. O humor baixo, aquela depressão sem tristeza, depressão regada a tédio, uma compulsão pela horizontal (mas imóvel). O Corpo percebido num caos que nenhum humor suporta, nenhum humor respira por aqui. Desta vez as "sombrias visões de mundo" não invadiram completamente o campo existencial, apenas mostraram suas presenças. Insuportáveis.

..... Nenhum remédio possível. Não me importa a tosse (simplesmente tusso). Nem a febre (não mata nem me traz convulsões, passei há muito da idade). Ou a "quebradeira" no corpo (para isso, colchões). Mesmo acalmando a dor de cabeça com uma dipirona, nenhum remédio possível. Nenhum remédio irá recuperar o humor. Aquela energia de base que coloca-nos mais próximos do mundo.


..... Nada posso fazer então. Com imensa dificuldade, coloco-me no lugar do observador. O "muco", da Medicina Tradicional Chinesa, invade os pulmões, os músculos, tornando tudo pesado, úmido. Os pensamentos invadem o campo psíquico com o mesmo timbre úmido e negativo, escorregam para fora com dificuldade, dando lugar a outro bolo estúpido de pensamentos. Difícil silenciar assim. O campo dos pensamentos adoecidos invade, torna-se inevitável, quase soberano. Ao menos vivencio isso. Como uma barreira mucosa ao "prana", ao ar que nos movimenta, o "vento". Tudo nublado, estagnado por aqui.

..... Percebo na pele o quanto pode fazer um corpo doente pelo campo psíquico. O quanto nosso "vetor" depende da estrutura física, seu estado. Penso nos comedores de "fastfoods" e refrigerantes, de enlatados, obesos, mucoides, "enxaquecados"... Penso em nós mesmos, os intoxicados pela alimentação, pelo stress, ou por mesmo uma estrutura psíquica triste. Penso nos cigarros e garrafas que tanto consumi até há algum tempo atrás. Existimos e pensamos tudo aquilo que comemos, que ansiamos, que fumamos, tudo aquilo que sofremos.

.... Penso em algo de dupla via. O psiquismo sabotado pelo boca e a boca sabotada pelo psiquismo. Como um padrão, inconscientemente, sempre tentamos manter e representar um padrão. SOU O QUE COMO E COMO O QUE SOU.


..... A "Casa dos Mucos". Observo-a. Mais uma casa possível, onde me materializo às vezes. Também um "foco percepcional", também uma janela por onde entra o que penso do mundo. Uma possibilidade, um lugar da percepção. Quarto de onde pensam os adoecidos do corpo em fase aguda. Suas pequenas e escuras janelas confundem a luz que chega de fora, colocando-as junto às sombras mucoides que escorrem (assombram) pelas paredes.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Psiquiatrices.II


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     15.05.2012 .

     Como iremos chamar isso que dói, adoece, isso que permeia invariavelmente as nossas atmosferas existenciais? Os místicos antigos foram os primeiros a perceber ("O mundo todo sofre de ansiedade e depressão", Sidarta Gautama). Meus colegas modernos resolveram classificar tudo em um monte de códigos curiosos.

     Tenho palpites. A coisa é complexa. Precisei de anos ouvindo o mesmo jogo de queixas. Vivenciando as dores, aliviando, vivendo. Uma grande salada psíquica.

     Existem aqueles que nascem com lesões reais em seus sistemas nervosos. Os casos de retardo mental, algumas alterações de personalidade e irritabilidade devido a lesões ou "focos irritativos" na massa encefálica (com ou sem epilepsia). Traumas de parto, herança genética, infecções ou drogas ainda na gestação. Estes sempre beneficiam-se de medicação. Apresentam obviamente uma personalidade, foram moldados pela vida familiar, sofrem por tudo isso. Outros tomaram isso após um acidente grave, um traumatismo craniano, por exemplo. Uma salada variada.

     Outros repousam nas fatalidades da herança. São as grandes síndromes "psiquiátricas" bem definidas, com seus códigos diagnósticos e tal. Chamo isso de "estruturas". O caso dos esquizofrênicos, dos grandes depressivos, de alguns ansiosos graves. Os bipolares, alguns transtornos de personalidade. Costumo dizer a alguns que não escolhemos o tamanho e a forma do nariz, o timbre de voz, a cor dos olhos... E nem a estrutura de base, a "estrutura psíquica". Prova disso é que as esquizofrenias, as bipolaridades e as grandes depressões ocorrem invariavelmente em família (fatores hereditários mas não obrigados a uma expressão). Sempre aqui a medicação entra.

     Um grupo numeroso o dos "neuróticos" (nós, por excelência). Mais de setenta, oitenta por cento das consultas. Aqui as saladas também apresentam temperos genéticos (mas é menos presa a eles). Mas os temperos "existenciais" - família, meio, aprendizado - estão em maior número. É aqui que incide o termo "normose" - a doença da normalidade - brilhantemente proposto por Weil (Pierre Weil - "O Corpo Fala", "Os Mutantes" etc.).

     Mas é das saladas o misturar-se. Esquizofrênicos desenvolvem neuroses (estão vivos, afinal). Retardos mentais, especialmente os "leves a moderados" adoram uma neurose. Também é o tempero essencial dos grandes depressivos (e dos psiquiatras também).

     Eu gostaria de ver tudo classificado em "eixos" - mas eixos mais abrangentes que os do DSM IV. "Eixos Existenciais". O primeiro eixo incidiria sobre as estruturas, o herdado. Cairiam aqui "as grandes síndromes". Um segundo eixo diria respeito á estrutura familiar - como a família e o meio deturparam o ser com tais e tais heranças. Um terceiro e mais tênue eixo abordaria as possíveis reações adaptativas do indivíduo, sua defesas, a energia investida nestas defesas, a "carga" dos estressores sobre este conjunto todo. Como este ser se defende do embate com a existência, baseado em sua carga genética herdada e com o que o mundo o tentou transformar. Que doenças clínicas o assolam - diabetes, hipertensão, por exemplo - e o que elas fizeram com esta "psiqué". Que estressores ao momento, e fazendo o que...

     Um quarto eixo poderia dizer a respeito de respostas. Como a medicação age sobre estes seres, que humores reagem e surgem, como os demais transtornos clínicos concomitantes  reagem aos seus tratamentos tratamentos (e como eles se tratam)... Os efeitos de diversas terapias, alternativas, a religião ou "espiritualidade" e seus efeitos...

     Poderia agora propor um quinto eixo de compreensão. Do quanto dispõe o ser para uma transcendência?

     Sim, acredito em "transcendência". Aposto o que me resta de vida nisso. Desde quando meu pai me trouxe certa vez uma xérox de um texto de Krishnamurti, de uma de suas palestras. Ainda era moleque e levei mais de dez anos para conseguir um livro deste Mestre. Quatro anos antes dele morrer, morreu e nem fiquei sabendo... Um dia "divisor de águas" em minha vida, algo que serei sempre profundamente grato a meu Pai. O trago comigo nesta busca. Não teria como pagá-lo, como retribuí-lo totalmente. A coisa veio trazendo luz ao que antes já pensava, trazia, mas confusamente. Vi que havia um espaço no mundo dos humanos para o que trazia comigo. Eu sofria de quatorze anos de vida extra - uterina, acho.

     O quanto um ser está próximo de sua transcendência? O quanto ele está próximo deste "salto", desta nova existência - de sua "inexistência" egóica???

     Eckhart Tolle trouxe-me novos aspectos destas coisas, mostrou que este salto é muito mais "possível" - e a muito mais pessoas. Isso foi mais recente, bem mais recente.

       Agora chega. Andava hoje à tarde às voltas para casa e, por divina inspiração, adentrei em certo "mercantil" novo por aqui. Encontrei surpreso duas garrafas de um bom saquê - isto por estas terras!!! Chego em casa com a necessidade iminente de meditar nas cousas nipônicas. Abro uma garrafa. Um grande prazer, sem culpas. Precisava. Seu nome: GEKKEIKAN... Que Buda e todos os Bodhisatvas tenham piedade de minha pobre alma. KAMPAI!!!!!!!!!!!

                                                                *****************************
   

Tarde

14.05.2012: 17h47min.

     A "estranheza" chegou mais forte por volta do meio dia, mas iniciou-se com os atendimentos, pela manhã. O "pano sonoro" de fundo mais intenso (quase a zumbidos), o corpo naquela sensação de não se conter, mas cochilamos ao meio dia numa estranha presença. Apesar de um dia "afetivamente" triste, tudo correu tranquilo. Alguma leve impaciência ao final da tarde.
     
     Pessoas presas em suas densas cadeias egoicas a sofrer (sofre-se de "vida"). Depressivos cristalizados em suas próprias tristezas e lentidão. alguns ansiosos que, como eu, mal sabem o que fazer (ou não fazer) do cérebro (agradeço ter apenas um). Um jovem resolveu hoje expressar sua carga estrutural esquizofrênica, a exemplo de seu pai.

     O que dizer às pessoas atoladas em si, em suas teias de sofrimento, estagnadas, estáticas, entupidas de calmantes e anti - depressivos? Na maioria dos casos a vida tornou-se uma séria patologia.

     Olhava-os, de certa forma, como se nunca os tivesse visto antes. E do mesmo fosso existencial, das mesmas trevas. Mas leve, muito mais leve. Ao menos o humor e a simples escuta fizeram alguma diferença, aliviando em muito o que recebo na troca.

     A noite cai subitamente deste o começo da caminhada. Precisava caminhar, andar rápido, muito. Aqui na praça o vento ainda é quente e poucas pessoas transitam, Mundo que escoa denso, estes últimos quatro dias foram extremamente densos em essência, estagnados. Como se tudo retrocedesse ao íntimo. Alguns místicos falaram em estranhas energias transitando por aí, mas elas transitam em mim por estes dias. Devo estar ficando velho.

     Muitas vezes estive nesta praça a fotografar, escrever, beber vinhos, a velha praça dos Prazeres. Mas é como se estivesse aqui pela primeira vez. Estranho escrever recebendo o ruído dos carros e das pessoas, o distante e presente murmúrio da cidade.Esta é minha realidade, meu agora, o único momento que disponho, único palco existencial. Mesmo escrevendo a "coisa" aproxima-se em ondas de um perturbador e suave alheamento.

                                     

   


   
   

domingo, 13 de maio de 2012

...

... Dias densos estes. Ou talvez algo meu, de minhas densidades. Como se num exílio e distante de si mesmo. Ou tivesse ido longe um pedaço da alma, deixando as coisas mornas por aqui. Tempo que se arrasta, as idéias parecem congeladas, semi-mortas. Se forem energias "do lá fora", de qualquer jeito houve ressonância aqui.

...A mente consegue esvaziar por um tempo, mas sempre neste peso estranho, neste movimento sem sentido. Não há tristeza, apenas um pesar por este estranho movimento. Como se estivéssemos cansados nalguma instância mais profunda.

..."Depressão" sem tristeza, a própria essência pura da melancolia, não sei. Um palco de energias estagnadas, algo parou, arrasta-se.

...Tento concentrar-me no que sobra. Naquele que observa e escreve. Afinal, é isso o que temos agora. Este palco oculto que sabota, que disfarça e movimenta suas configurações estranhas. Como a colocar-nos num denso nevoeiro, quase cegos, invadidos por um tédio que não é nosso.

...Deveria estar mesmo nesta casa, neste exílio, com os gatos, vendo e sentindo esta nuvem que se espraia sob a luz. A mesma luz que parecia tão próxima e viva. Mesmo sem quase suportar-me agora. Estar aqui para recuperar a força de observar, meditar, talvez para me ocultar.

...Fase que pede reclusão, espécie de "resfriado da alma"? Enorme ave de mau agouro a sobrevoar silenciosamente os céus, em busca dos Primogênitos? Sei que algo sobrevoa, atento, enquanto aqui em baixo tentamos nos mover.

... Dias estranhos...

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Psiquiatrices e Outras Tolices...

... Antes de tudo: um rebanho de sofredores. Ovelhas feridas. Os dias podem agora ser amenos. Mas caminhamos com feridas mortais, marcas que nos acompanharão até a morte. Por que?

...Não importa tanto o tamanho da ferida, mas a representação que carregamos pelos dias.

...Viver passou a ser um "jeito" de sufocar e reviver esta casca ferida... Tentamos roubar alguns espaços para outras coisas importantes...

... Parece que escolhemos este núcleo como nosso eixo principal. Transitamos então ao seu redor. As pessoas são seus traumas e problemas. Deixam de viver para simplesmente disfarçar.... E esgotam-se em esconderijos, medos, estranhos trejeitos espirituais...

... Uma forma de viver. Apreendida, "vivificada", a única que aprendemos. Quando o "viver" torna-se 'imitar" - e o que imita é fatalmente escravizado. Questão de palco herdado. De uma dança macabra ensinada há milênios por forças que sugam, destroem. Então passo a entender os que me procuram em suas "crises", e a me entender.


... Paramos de buscar. Nossas opções de busca sempre foram tão pobres e manipuladas, tão "cristãs" e manipuladas, estúpidas... O povo esquecido por "deus"... ou o pior de suas manifestações.

... Enquanto sofrem os humanos, paro a tirar fotografias da Lua, a tentar entender por que ainda estou aqui e "para eles".  Meus "brinquedos" mais reveladores e necessários, fotos e escritos. O sofredor tenta sempre transformar o outro em seus sofrimentos, contaminar o outro com seu estar-no-mundo patológico. Eu fui assim. Eu sou assim quando desejo e não desperto. Quando durmo.

... Chego a um ponto onde simplesmente não há caminhos. Nenhuma estrada. Onde qualquer movimento pé um tedioso retrocesso. Rasgo as roupas que o mundo colou sobre minha pele. Para nunca mais vestir nenhuma outra roupa contaminada, para poder sair sempre ileso do "outro-que-sofre".

... Todo despertar acarreta em solidão. Melhor Assim. Está uma grande noite e a Lua deve surgir em instantes.

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