sexta-feira, 20 de julho de 2012

Tempos de Abandono. II

       
       
           Mais dias quentes e abafados, acordares sugados, algo cresce ainda nestes tempos. Mas mil vezes a dor que surge com a sensibilidade do que o torpor humano característico, a cegueira de alma que também anestesia. Toda contração é dolorosa. E é destes tempos a contração.

          Não sei o que outros seres mais sensíveis andam pensando destes dias. Talvez  o isolamento das comunicações nos mostre um momento íntimo, individual, quase nada para compartilhar - processos internos. Um mergulho solitário e silencioso. A cada um suas profundezas com seus momentos de mergulho nestas profundezas. Gostaria de compartilhar impressões destes "agoras", ainda possuímos certos instintos gregários, mas os tempos pedem silêncios e mergulhos.

          E tudo pelo processo. Padrões. Em tudo, muitos irão tombar. Enquanto escravos, sem culpa. Como na fecundação, a morte de milhões de espermatozoides para a coroação de apenas um ou dois. Para cada árvore, milhares de sementes mortas. Isso é um padrão. Padrões são estruturais, são soberanos. E conseguem ser ocultos. Chamar isso de "competição" é construir idéias da realidade a partir de simulacros de realidade. Sementes não competem entre si pelo germinar. Atiram-se ao destino e caem nos solos, seguem um padrão, apenas são possibilidades no jogo do Universo. A morte é parte da vida, nossa mais dura lição. Tortura aos seres portadores de ego. Não há melhor sorte. Há o que há.

          Daqui de onde existimos e vemos as coisas, deste simulacro humano de "natureza", egos e preconceitos se fundem numa cegueira sem igual. Vestibulares imitam germinações. Os "vitoriosos" chegam lá, os outros, escravos. Imitamos a natureza da forma mais estúpida possível. E daí tiramos nossas conclusões (afinal, somos "racionais" - a meu ver, "seres que comem ração - racionais...).

                                                                            * * *

          Daqui de onde escrevo agora pessoas almoçam em mais um dia de sonho, a televisão ligada em amenidades atrapalha um pouco os pensamentos. Comem. Cheiro de carne e arroz. Nutrem-se com não sei o quê (e nem sei prá quê). Habitam meus sentidos, pensam existir. Aqui compartilham o espaço "vencedores", "perdedores", depressivos (reconheço alguns pacientes), deslumbrados, corruptos (políticos), toda a corja de humanos que dividem alguns espaços com minha fome. Aqui estou também a escrever, fone de ouvidos nas orelhas, exercitando os dedos e idéias ao sabor do tempo.

          Seres que se nutrem aos barulhos de uma TV, as "teleidiotices" preenchendo na mente destes famintos espaços que poderiam ser "libertários" se silentes (mas doem, doem muito - dói acordar, dói nascer - e vai doer a morte). Só me dói isso quando penso no preço para um planeta que é vivo - o preço da cegueira egóica, humana, o preço da estupidez humana. Não fosse isso, processos. Compaixão. Nem aí para seus suicídios oníricos. Mas compartilhamos, infelizmente, um espaço sagrado - espaço que eles não enxergam.

                                                                                * * *

     

       
       

       

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Tempos de Abandono



          Ventos fortes esta noite, o mesmo silêncio de ventos e ondas. Semana "sugada", estupidamente rápida, nenhum tempo para pensar. A solidão atingiu níveis alarmantes na semana passada por aqui. Sem meus anestésicos tintos secos desde sábado. Sensação de que o mundo  silenciosamente conspira, trama, preparando-se na surdina para fazer-se em pedaços. 

          Algo faltando na "alma". A prisão destes palcos abafantes diante de uma percepção incompleta, algo roubado ao chão. Simplesmente a falta de Presença. Os dias estão quentes e abafados como estes cenários, a clareza inóspita que cega (de um sol que não conhecia). Mas tudo sem a "autopiedade" dos noutros tempos. Nenhuma fuga impulsiva, afetiva, apenas estar aqui com (e sem) o que se pode agora. 

          Trechos obscuros do (des-)caminho. Densos mares sem ventos. Estranha nau de velames parados, mas sem estagnação estranhamente. Há uma tensão calada que não é silêncio, precisava de alguma sobriedade para escutar estes tempos. 

          Não irei agora cair na tentação de achar que tudo isso foi somente em vão. Que todo este simulacro de busca foi apenas o caminho passando, carregando as sandálias para a morte. Prefiro enxergar o abismo que rasteja em cada passo, que sempre rastejou próximo. Ao menos concentra. 

          Tempos de Abandono. O "corpo afetivo" o sentia, sofreu intensamente isso por uns poucos dias, não conseguiu perceber no momento. É como se surgisse agora um tédio cansativo, o descaso deste corpo diante do momento, algo que surge depois da dor. Mais fácil perceber agora, o "corpo" deixa de lutar, exaurido, ferido, começa a simplesmente deitar diante do inevitável fim. Esta metáfora me seduz agora. Tempo de abandono. O "corpo" que sofreu o abandono é traduzido, observado, colocado no lugar de ações.

          Abandonar o caminho, o navio, as sandálias. Chegamos em um ponto onde podemos sentir, enxergar todo o trajeto percorrido, toda a ilusão de caminho. Andávamos em voltas, sempre em voltas, em direção ao abismo - mas todos os andares são em voltas e sobre abismos. Parte da coisa, do processo. Normal que chegássemos a perceber a inutilidade sagrada disso. Há que se andar em voltas e voltas, há que beirar-se precipícios... E  sorte de chegarmos a esta percepção. Caminhos são curvos neste plano.

          E?



          O "Krishnamurtismo" nos torna, após algum tempo de leituras, céticos "trancados". Vamos nos libertando de nossas crenças estúpidas, nossos "ismos", vamos englobando aos poucos este ateísmo diante do que é criado pelo homem (em seu próprio benefício). Por um lado, vamos desconstruindo toda uma estrutura imposta e cobrada pela sociedade, passamos a enxergar o que move este processo insano e brutal de "civilização", seus porquês, seus verdadeiros objetivos. Mas isso ocorre no tempo, e o tempo é o alimento do ego. Então tudo não passou de uma troca de egos, de prisões. Construímos um Krishnamurti à imagem e semelhança de nossas idiossincrasias mais íntimas - diria que fabricamos agora outro ego e o colocamos no lugar do antigo. Exatamente porque tudo isso foi no tempo. Pensamento. E o chamamos de "Krishnamurti". Teremos agora nossa versão patenteada de "Krishnamurti" para arrastarmos por toda a vida, ainda andando em círculos. Uma nova prisão. Bem mais confortável que a antiga (confesso que sou grato a ela por ter me permitido suportar tudo isso até agora e chegar aqui quase ileso). Mas uma prisão (em cujo pátio circular podemos passear ao sol por um pouco mais de tempo que antes, até voltarmos às nossas celas escuras). 

          A imensa maioria dos poucos que ouviram o canto da liberdade morreu aqui. Parou por aqui. Segue arrastando suas correntes mais leves, suportáveis, mas ainda aqui, circular, prisão. Quando o velho K. exclamava impaciente às multidões "Por que você não muda?", talvez esperasse a única resposta coerente: "porque agora somos você"... Sim, haviam caído na poderosa e sutil armadilha da identificação. Em verdade, apenas uma troca de identificações. Não sei se uns poucos desta turma atravessaram este penoso estágio. Se viveram para perceber o próprio "corpo afetivo" descer de vez com sua crítica mortal, seu tédio de abandono. Alguns voltaram às suas antigas prisões, revoltados, porque o Mestre não os presenteou com certas asneiras que chamavam de "iluminação". Porque toda "iluminação" que é dada não passa de uma asneira. Como o gran finalle do movimento Hippie: Largar as bandeirinhas e voltar aos escritórios... É, somos assim. Isso é humano e devemos continuar sendo.

           Precisamos mudar radicalmente - e é para isso que não nascemos. 

           Sobrou-nos então isso a que chamamos de "Krishnamurti", à nossa imagem e semelhança. Que temos como "o sagrado", a religião que seguíamos escondidos de nós mesmos. Penso que só nos libertaremos quando matarmos nosso K. - e se não o matarmos, morremos (com a derradeira morte, sem encontrá-la ainda em vida). Sim, é humano sempre se ter que matar algo para um "despertar". Que seja então algo esplêndido como Krishnamurti. 

          Tempos de abandono. De perceber-se neste caminho em vão que nós escolhemos, saber da necessidade deste caminho atrelada à necessidade desta percepção. E bem aqui neste palco de abandono interno e externo. Onde muitos se deprimiriam, enlouqueceriam até, se não fugissem. Perceber também que até agora andamos fugindo (caminhos circulares são sempre fugas). Que narcotizamos muitas vezes outros momentos semelhantes e tão necessários quanto este (mas os tornamos vãos, fugindo). E também entendermos que estas fugas podem ter evitado coisas piores - teríamos estruturas para nos mantermos ilesos diante do "tempo triste sem fugas"? Então não resta nada a criticar, nenhum arrependimento, ressentimento por nossos atos anteriores diante disso. Vejo esta "tristeza" (ou este "tédio existencial") como uma nova chance de encontrar o abandono. A hora, talvez, de tirar as sandálias e os caminhos. 







          Desconhecer a razão e a loucura incipientes, desconhecer finalmente caminhos, habitar plena e silenciosamente cada lágrima como um hóspede feito de vento e vazio... Ser o espaço do intenso, onde ele ocorre, é ser selvagem, extremamente, plenamente selvagem. 
          

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Lunáticas.I


     (Lua de 09.07.2012, 5h40min)


     (Lua de 09.07.2012, 23h)

          

     (Lua por um fio...)

O vício de fotografar luas me tomou há pouco mais de um ano, um ano e quatro meses. Praticamente todas as semanas a persigo, como um fiscal vagabundo de suas fases. Preenchendo um relatório visual a cada mudança de fase, um solitário observador em sua inóspita e excêntrica função. Escrevendo semana a semana, com imagens (amadoras) um álbum monótono, repetitivo, mas que me absorve. 
Suas mudanças são precisas, previsíveis, 
As mesmas luas todos os meses, as mesmas imagens que desfilam periodicamente nos céus... Sim, seria algo monótono se sempre fosse o mesmo "fotografador". 


domingo, 8 de julho de 2012

Religiosamente Ateu...




  • Nestor Mainieri Não acho que a consciência "ateia" deve se preocupar em confrontar... ser ateu pode significar muitas coisas. Pode significar uma grande liberdade filosófica, o cara se livra das merdas impostas pela religião e vive mais leve, por exemplo. Ou reage como criança traumatizada, ofendendo religiosos. O que me preocupa éo conflito inerente.
    Hace 16 minutos · 

  • Nestor Mainieri Esta imagem não mostra um ateu, mostra um crente revoltado com seu deus - mais um iludido a achar que um deus cria tudo. Alguns ateus agem como crentes revoltados, o que dá na mesma. Se não creio num deus, não posso me revoltar contra ele.
    Hace 15 minutos · 

  • Nestor Mainieri ‎"Deus" é uma palavra - uma palavra forte e carregada afetivamente. liga-se a porquês, vida e extinção, promessas, paraísos, infernos. Não passa de uma palavra. Uma criação humana. Deus enquanto palavra e condicionamento é digno de humanóides filosoficamente pobres. "Ciência" nunca foi uma religião, ciências são conhecimentos e instrumentos. Alguns ateus elegem a ciência como deus.
    Hace 11 minutos · 

  • Nestor Mainieri Por que extremos? Ainda não aprendemos o caminho do meio, do transcender o mundo conceitual. Estou sim num universo. A religião o deforma. A ciência não o abarca. Eu posso ter uma experiência única com o estar no universo, sendo parte óbvia dele, posso transformar de alguma forma minha consciência - sem deuses e microscópios entre as orelhas.
    Hace 9 minutos · 

  • Nestor Mainieri Depor o rei deveria significar nunca mais preencher aquele trono. Sim, um trono que deveria ficar sempre vazio. Pelo anarquismo Metafísico!!!!
    Hace 8 minutos · 

  • Nestor Mainieri O que encontro em meu embate com o universo diz respeito a mim e a uns poucos talvez. Independe de ciências, impaciências, religiões, independe disso. Que cada humanóide fique sob sua árvore preferida, comendo seus frutos proibidos, com seus venenos preferidos, que alimente este ou aquele sistema criminosos, não vou colocar as mãos sobre uma espécie condenada (ecologicamente, existencialmente, politicamente). Se cada um aspirasse à plena liberdade,   faria o mesmo, deixariam estas crianças se matando e seguiriam outro rumo.
    Hace unos segundos · Editado ·