domingo, 16 de setembro de 2012

Neoplasias Políticas


          Dias quentes, o vento começando a tomar força, ressaca das belas luas de agosto. Dias implorando por migalhas de lucidez até ontem ou anteontem. Mas tudo tranquilo no trabalho com os pacientes, suas dores e dramas. Eclipse de alma - eclipses não são perdas.



          Época de eleições, o grande Circo Humano Dos Barulhentos Alienados corre solto. Como se o velho "humanossarcoma citadino político" estivesse agora no Cio. Estranha lesma que se reproduz a cada dois anos. Reprodução do mesmo vampirismo, da mesma alienação secular - não, partes importantes nossas não conheceram a Abolição. Como os humanos (vítimas!) entregam-se a este condicionamento, tomam isso por existência, como tudo isso é pobre. E podre.

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          Uma "democracia". Estranha religião que nos inculcaram, tentando fazê-la significar "liberdade". As coisas nas mãos de uma suposta elite dirigente. Mas o que é esta massa? E a que consensos tenho que me submeter, a que ideologias, a que movimentos devo ser democraticamente atirado? Preciso viver numa "sociedade" e isso exige adaptações, perdas, negociações. Somos famosos por não darmos certo em regime algum. Diversos guetos convivendo em pequenos espaços, suas múltiplas necessidades acimentadas em confronto, o caos nosso de cada dia sufocado e a sagrada repressão da qual coletividade alguma pode abrir mão. Talvez seja dos regimes menos conturbados, com mais possibilidades de acertos, exigindo manipulações mais sutis. 



          Massas funcionam sob manipulação. Quem já preparou a massa de uma lasanha ou de um pão, quem já liderou grupos sabe disso. Governar é a arte de jogar com manipulações de forma que se tenha, ao final, a massa o menos sovada possível. Em democracias, torna-se a arte de negociar com diversos manipuladores para a obtenção deste resultado.  Somos seres com necessidades múltiplas, convivemos ao lado de grupos heterogêneos, também com suas necessidades e o reduzido espaço para esta convivência tornou-nos interdependentes. Talvez não haja outro jeito de lidar com isso. E como em todas as artes culinárias, diferentes tipos de massa exigem diferentes manipulações. O bolo acaba saindo sempre a soma das caras de seus componentes, seus farelos. 

          Irritantes farelos. Por que precisamos ter que ouvir nestes dias, e em altos decibéis, uma ladainha estupidificante (e em modinhas ridículas) pregando maravilhas deste ou daquele candidato a manipulador? Precisamos disso? Precisamos de cartazes? Escolher um candidato deveria ser como uma meditação, um recolhimento consciente, alguma coisa livre de tantos apelos idiotas. Mas a nossa massa precisa ser convencida, martelada, precisam impor a esta massa fortes apelos condicionantes. Outro jeito não serviria a esta massa que não pensa. Propagandas vendem produtos, convencem-nos de necessidades, propagandas empurram produtos. Seres inconscientes só podem ser trabalhados desta forma. Sempre achei um absurdo isso.



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          Não vejo o estado destas coisas como apenas consequências inevitáveis de um embate heterogêneo de seres, grupos, populações. Em essência, as coisas estão numa forma que interessa a algum grupo manipulador. Nossos baixos patamares culturais, os baixos salários de professores e policiais, todo o circo pago a peso em ouro, a violência crescente, a vida banalizada. O planeta convertendo-se em deserto, a morte das diversas espécies. Não é por acaso este comportamento neoplásico da humanidade, um funcionamento visivelmente oncogênico. Não pode ser por acaso. Existimos na lógica das imensas granjas, o tempo e a energia roubados por toda nossa vida útil. Rotinas secas impostas dia a dia, a morte do tempo livre para si, para as coisas internas. Não há lógica perguntarmos o porquê de nos submetermos a isso, em nome de quem doamos nossa consciência e nosso sangue. O contato cada vez mais difícil com os ciclos naturais, o preconceito de estarmos no topo de uma pirâmide natural diante de outras espécies. Trocando em miúdos, há um porquê para a morte da consciência neste insano regime de escravidão. Interessa a alguém que sempre sigamos tendências estabelecidas e comuns às massas. E se a dor arrancada pela violência diária é o que impera em nossas atmosferas existenciais, juntamente com o medo e a fuga, isso também deve interessar.

           Penso também na troca da "religiosidade" pelas religiões - a massificação de uma busca íntima e profunda - o deslocamento de nossos sagrados templos internos para igrejas dogmáticas e absurdas. Um caminho íntimo que deveria desfazer-se no silêncio da consciência individual sendo violentado e convertido em modismos salvadores inúteis. Um deus. Diabo coletivo maquiado em nossos desesperos por aqueles que lucram em abafar consciências e espiritualidades. Afastaram-nos desde a infância daquele recanto íntimo e sagrado, do único lugar onde poderíamos experimentar a verdadeira conexão. Um time de futebol. Uma oportuna tendência. Nunca uma religação. Estes tipos de monstros manipuladores também são muito bem pagos - o estado permite isso e em tons de "liberdade". Como permite o escoamento absurdo do dinheiro aos entes do circo. Isso é desordem, desarmonia, nem ao menos "caos" cabe aqui.





          Como poderia uma massa neoplásica dar certo? O crescimento desordenado e desarmônico, a ausência de inibições, o desligamento de outros tecidos (a perda da interdependência harmônica dos demais tecidos), como estas diretrizes poderiam levar esta massa a algum outro lugar que não a autodestruição? Cânceres e humanidades agem destes padrões. Levam a matriz invariavelmente à morte (a não ser que sobrevenha a "grande extirpação"). Isso também não querem que saibamos. Os habitantes de uma granja não precisam saber a que realmente são destinados, nada sabem de panelas e mercados. 

          Estranho nossa propriedade intrínseca de "cancerificar" outras espécies. O que criamos com isso? Galinhas e bois adaptados a granjas e açougues, as pobres mascotes (cães e gatos) abandonadas por ruas imundas, famintos, também multiplicando-se desordenadamente (à nossa imagem e semelhança neste aspecto). Pássaros em gaiolas para serem trocados por dinheiro, zoológicos, indústrias de pele. Tiramos do seio da natureza espécimes selvagens e os adaptamos às  nossas desordens. Outras espécies que não serviram a este banquete amargam em extinção. Sim, o mundo tem fome, o mundo cresceu desordenadamente a ponto da insustentabilidade. E as neoplasias também. Mas deus disse que éramos a sua imagem e semelhança, que éramos superiores a todos os demais tecidos vivos, que todo o universo por ele criado o foi para nosso uso. As neoplasias também agem como se tivessem uma visão bem utilitária de suas matrizes. Sim, um deus neoplásico e sua criação absurda.

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Sim, há desordem ali fora, funcionamos como uma massa neoplásica no tecido sagrado da Natureza,
aqui estamos numa granja ardilosamente planejada, religiões, democracias, a política...
Há desordem também aqui dentro, a desordem que mantém o sistema e suas idiossincrasias.
E perpetuaremos esta desordem neste próximo mês. Aceitaremos tudo aquilo que colocaram em
nossas cabeças, levaremos adiante esta farsa de existência, afinal, somos democráticos. Podemos escolher.
Numa democracia "rebanhista", num intrincado jogo de dependência das estruturas do sistema, com a consciência de que somos peritos em não darmos certo com nenhum regime - o que podemos fazer?

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Tolhidos pelo medo, seguimos em frente perpetuando a existência de rebanho e quanto mais nos debatemos, mais esta intrincada teia nos sufoca. Conseguimos algum alívio temporário
com nossos brinquedos, nossas anestesias, analistas, remédios, deuses, compulsões... Nossas máscaras.
Aprendemos então que "é assim". Que isso é normal, espécie de "preço" por existir. Certo. É uma democracia. Alguns felizardos podem escolher o tipo de açoite que os tocará para frente. Eu digo que não podemos fazer nada. NEM MESMO CONTINUAR.



Um pessimista tece futuros sombrios baseado em fatos reais. O otimista acredita num futuro melhor, possível, baseado em sonhos sobre fatos reais. Mas um realista nunca trabalha no tempo, como estes dois. Não sonha. Desloca sua análise para o presente e dele não divaga. Aceita a tragédia, não a julga, mergulha profundo sem importar-se com o preço deste mergulho. Sabe que nunca mais será o mesmo quando voltar à tona.

Soluções? Sonhos ou amarguras seriam soluções?
O que podermos fazer por esta sociedade, por este mundo, tudo o que fizermos será sempre baseado nestes três aspectos.



Encarar as coisas numa ótica otimista ou pessimista, trabalhar tudo em termos de "tempo", nenhuma diferença. Se mergulho na coisa como ela está, se não sou destruído neste mergulho ou não fujo do que está aqui, certamente chegarei à conclusão de que é justamente daqui, deste agora, que posso agir. Só posso mexer as coisas a partir daquilo que realmente tenho. E se abandono tempo, sonhos, ilusões, amarguras, se abandono condicionamentos e idealismos, então terei apenas a mim neste agora.

Estarei aqui, totalmente, pleno. No único lugar de onde posso agir. Tudo o que faço integralmente reflete-se no mundo. A qualidade de minha presença neste agora será um ponto de partida para uma verdadeira revolução nesta granja oncogênica. A única revolução verdadeira, possível, real.

É a sutil qualidade de minha existência presente - e não minhas ideologias, meus votos e todos os meus "ismos" absurdos - é isso que modificará este mundo insano. É o como eu sou plenamente agora que fará a diferença. E não os meus gostos, as minhas caridades, meus "ativismos", minhas ideologias - nada disso adiantará sobre uma personalidade caótica, sobre uma ovelha cega e suculenta.


Ou nos libertamos ou é melhor nem agir.


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