sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Finados, 2009,,,

Novembro, 02, 03, 2009                                          
                                                                                                               

“Não vos desejo. Nem vos amo. Sequer existes como também não existi. Dançávamos com este corpo de sonhos que me vesti, dançávamos cada sonho, cada pensamento e desejo, estávamos no fim e no começo de tudo o que não nasceu. Por que vos temi por todos esses tempos”?

“Findam-se as buscas. A prisão é virtual. Somos virtuais para além (ou aquém) das manifestações. Corpos e sentidos, deuses e almas, nenhum sujeito escapa à virtualidade”.


 Mais um daqueles dias quentes e abafados. Os ventos começaram ao por do sol, fortes e trazendo, à noite, um cheiro de mato e umidade. Quase frio. Acordo tarde e passo o resto do dia  na horizontal.

 Há pouco, tristes mensagens ao telefone (a ex esposa): “o besta do motorista jogou fora a soja dizendo que estragou. Eu catei uns últimos grãos que insistiram em ficar na vasilha e os comi como um cão faminto. Gosto de terra com água de rio. Maravilhoso alimento o qual alguns humanos não merecem comer, como esse taxista!”.
Fiquei triste. Minhas últimas sojas pretas de Curitiba... As preparei com cuidado e carinho. Quase as devorei, pois estavam especiais. Preferi dar a ela, estava nesta cidade para uns plantões e pedi para um taxista deixa-las na maternidade. Agora, sem sojas negras e meses de cão faminto.
                                                                                      
(...) Lembro-me de uns poucos dias de Finados. Pensar naqueles que se foram. Ou pensar naquilo que guardamos daqueles que se foram. Nos parentes, nos animais que não estão mais conosco, algumas vezes num aperto de saudade. Mas tentar entender um pouco sobre a morte, quantos pensam nisso?
O que é que morre? Primeiro, a possibilidade de interagirmos com o finado. A possibilidade de modificarmos uma relação, atualizarmos passados, termos acesso àquela única memória, a parte do universo condensada em recordações. Perder um ente querido é perder um espaço próprio, íntimo, de atualizações e possibilidades outras. Ficarão apenas referenciais, lembranças, coisas fadadas apenas ao lembrar. Todos recordamos um pedaço da própria morte nestes dia.

                                                                       


Morre também o conjunto de imagens e interpretações possíveis de uma pessoa – relação. O foco desta estará agora direcionado a um passado que guardamos juntos. Vai-se parte do corpo do outro, retido em mim até este dia. Vai para onde? A morte é uma viagem sem “onde”. Apenas uma viagem. Um típico fenômeno de transcendência de planos. É como alguém desaparecer entre quatro paredes, diante de nossos olhos, deixando apenas uma roupagem inacabada. Aquela roupa que fica não é o que partiu. E nunca o foi. A morte de outrem deixa-nos completamente sem ação diante de um vazio que nunca havíamos percebido antes. Cercávamos aquele espaço com imagens variadas, relacionadas com outras regiões, não era um canto autêntico, mas preenchido por coisas de outros cantos. Agora vemos ali o vazio, algo parecido com um nada, incômodo, sombrio. Um “para antes do nascimento”, ou “antes dos tempos”. Um retorno? Sim, um retorno ao não-nascido, não-criado. Apenas aquela porta diante do nada que nos resta.

Mas é esta porta tudo o que nos resta. Um minúsculo e perdido, quase sempre oculto, espaço vazio. Num quarto abarrotado de ilusões estúpidas, criadas pelo medo e pelos condicionamentos. O que cerca esta porta vazia é o que acumulamos dentro da casa pelo mais puro desespero, seguindo os padrões de cegueira herdados nas palavras dos vivos. Aproximações de lugares assim, vazios, incertos, escuros porque não atingidos por nossa consciência, sempre aterroriza. Porque ameaçam estes espaços nossas construções ilusórias de vida. Mostra-nos que também não estamos vivos. Que alucinamos em ignorância e desespero, que agonizamos alucinando. O vazio denso que transpassa aquela minúscula porta mostra-nos a pequenez daquilo que chamamos de “nossas vidas”. Que estamos numa gaiola de condicionamentos, que nossa casa incendeia-se dia a dia. Por nossos olhos não estarem acostumados á luz, enxergamos as trevas para além da porta. Da porta de nossa gaiola. Da nossa antiga e penosa cela. E nos voltamos, aterrorizados, aos recantos poluídos da casa, aos recantos densos e inúteis, implorando a misericórdia de mais um ano de ilusões. É o que deve enxergar a larva quando espia por um pequenino buraco em seu casulo. A luz fere e cega quem vive distante e oculto da luz. Sim, estamos mortos, apenas ainda presos à armadura de pele e ossos, configurando nossas mentes à semelhança desta armadura.

                                                                         


Não podemos ter medo daquilo que desconhecemos. O medo da morte é impossível. Tememos as construções com que cercamos a porta. Tememos as imagens e representações que tomamos por “morte”. Tememos a lembrança da dor e da solidão. Do desprendimento, do abandono de nossos desejos e prazeres. Tentamos construir algo sólido com a mesma areia que cerca a praia, tomando-a pelo mais resistente concreto. Basta a próxima onda.

A morte, como a concebemos, representa o findar. O que é que finda com a morte? Um corpo ávido de reconstruções, um corpo de desejos, um sonho de imortalidade. Sim, os sonhos são mortais. E os corpos são sonhos mais densos, os sonhos de onde acreditamos sentir. O sonho de onde vivemos. Apossamo-nos de nossos corpos e dali pensamos estar vivendo, sentindo, pendurados num tempo e num espaço que o transcendem e o justificam. Temos tudo o que os outros sonhadores dizem e constroem para nos amparar. Temos a ciência, temos as religiões, as filosofias, mas não temos a vida. Porque ela pode estar atrás daquela porta terrível.

O corpo não sou eu, mas a região onde instalei meu aparato “percepcional”. De onde imagino que posso ser algo distinto do universo, uma entidade. A região onde surge o esquecimento de minha pertinência ao todo. E chamo de “deus” este todo para que não o veja, para que encarne mais uma configuração ilusória a amparar-me no triste sonho da matéria. Sim, o universo também sonha e se complica quando mergulhado em trevas . Transcendo este meio puramente material e percebo um meio simbólico, psíquico, fenomênico... Então me descubro ocupando outros corpos para estes meios.

Sim, contemplamos o dia de Finados de dentro de uma estranha prisão, cuja única porta abre-se para dentro. E dela parece exalar o vazio, o nada, o fim. Como um pássaro que, após anos na gaiola, se torna indiferente à porta quando esta subitamente se abre. Ou como uma borboleta que, aterrorizada, desiste de sair do antigo casulo. O que chamamos vida é um tempo. Um tempo necessário para que as paredes do casulo se enfraqueçam, não possa mais conter as asas. Os finados estavam vivos, estavam larvas no casulo, presos e oprimidos naquele momento. No voo, algo sobe aos ventos e a velha casca volta à terra. Deixa de ser um pó organizado por um desejo e volta à terra. Pois dela foi tirada. O que sai, quando não aborta, não pode mais ser visto pelos que ainda rastejam na terra. Não pertence mais a estas dimensões alcançadas por nossos sentidos. Seus novos corpos serão formados pelo vento. Serão o vento, livre de sua existência, sopro.

                                                                               


Não ouso pensar em como seria o mundo além da pequena porta escura. Porque certamente não será um mundo para pensamentos.  Pensá-lo seria recriá-lo com novas ilusões, configurando-se outra espécie de cela, de casulo. E quantos casulos ainda teremos?
                                                                      * * *
Antes de meter-me no grande circo dos ateus e religiosos, devo lembrar que vejo as coisas daqui de baixo, de uma ínfima partícula densa de sonhos e sofrimento. Devo lembrar também que ainda não construímos o universo, o mundo que nos cerca, nem o interpretamos ou significamos. Nós o sonhamos. Porque interpretar é estar livre de antigas interpretações condicionadas. E a construção resulta em uma coisa com a qual não nos confundimos. Separamo-nos de nossas construções, mas não de nossos sonhos. Sonhos aprisionam, excluem, cegam. Sonhos prendem, têm peso. Sofremos um longo e penoso processo para chegarmos até os sonhos. Daí ser também longo e penoso o processo de nos colocarmos num ponto onde não mais nos confundimos com estes sonos. É o que chamo de senda. O caminho da morte dos sonhos. Pois quando saímos de um sonho, simplesmente acordamos.

                                                                       * * *

3h de 03.10.09. um dia cheio pela frente.. Preciso buscar meus sonhos num plano estritamente horizontal.

                                                                                                        * * * 

terça-feira, 26 de março de 2013

Dos Labirintos


Fevereiro, 10, 2013, Domingo.

          19h44min. Há uns três anos atrás, numa viagem ao interior do Rio grande do Norte (a viagem fazia parte de um evento, o lançamento de um livro por um colega), uma noite numa pousada em Patu (nossa última parada), ligo a televisão e dou de cara com uma entrevista na TV Cultura, Umberto Eco falando sobre labirintos. Entusiasmei-me tanto que corri à pena e ao papel, tentando fotografar em letras o que se dizia. Sofregamente, escrevi:

          “Eco fala de três tipos de labirintos, o de Creta, o “residencial” e o moderno, comparando este último às estradas de ferro (pelo dinamismo, suas possibilidades). No cretense, um labirinto circular, o único problema seria passar pelo minotauro. Trata-se de uma prisão cuja eficiência não estaria fundamentada em sua estrutura interna. No segundo tipo de labirinto, baseado em caminhos binários, uma decisão errada levar-nos-ia à impossibilidade de sairmos de suas malhas. A complexidade de suas malhas residiria em sua própria estrutura. O labirinto moderno caracteriza-se pela impossibilidade de abandonarmos sua teia e pela necessidade de criarmos sempre caminhos. Infinitas possibilidades em estruturas finitas. Eco fala do aspecto dinâmico das novas prisões, esta característica que o torna intransponível. Somos obrigados a criar sempre novos caminhos.
A vida moderna obrigando-nos à incansável procura de novos caminhos, de os criarmos sempre dentro de um número infinito de possibilidades. Mas sempre serão rotas pertinentes ao próprio labirinto. Mas não vemos nada de original nesta criação de caminhos, em verdade uma escolha entre infinitos trajetos presos a possibilidades estabelecidas, ‘aprisionantes’ ”.



          Não sei se captei o essencial, se foi isso mesmo o que Eco quis dizer. Parece que finalmente fomos introjetados pelo labirinto, introjetando-o e tornando-nos seus construtores. Recebemos a forma, o condicionamento, e o trabalho de nossas vidas será apenas fabricá-lo a cada movimento nosso, na ilusão de que o labirinto já se encontra construído. Ainda não pensei se existe uma relação temporal entre estas três formas de labirinto, se há uma relação cronológica com a história humana. Ou se são o mesmo labirinto visto de pontos diferentes (três aspectos da trama). Ou mesmo três estágios evolutivos diferentes numa existência.

          Nosso labirinto moderno. “Um labirinto (...) que conduza a toda parte e não leva a lugar algum” (Eco). Um labirinto dinâmico e que parece partir do âmago do observador deve ser construído pelo próprio observador, deve ser fabricado pelo seu próprio processo de estar no mundo. E com as bênçãos do conflito. Deve ter tão fluido e ilusório quanto o próprio material usado em sua construção. Por vezes modifica-se tão drasticamente num curto intervalo de tempo, mas sem perder seu “peso” e sua “estrutura” aparente. Bem à mercê das cabeçadas no escuro do observador. O primeiro e o segundo modelos de labirinto seriam estruturas independentes do sujeito submisso, como se fossem construídos por algo além deste. Não modificam no tempo ou com os passos do sujeito. Ao contrário do terceiro tipo.

          O terceiro tipo de labirinto seria então construído no tempo pelo próprio sujeito. Que material seria tão fluido e disponível para sua confecção que não o pensamento, organizado pelas entranhas de uma mente? O próprio material com que a mente foi construída – este labirinto não passaria de uma extensão desta mente e deste sujeito. Uma aranha fabrica sua teia com fluidos de seu próprio corpo, daí esta teia adaptar-se a ela, fazer parte do seu corpo de aranha.

          A cada dia acordamos num súbito momento de inconsciência que mal percebemos. Então lembramos onde fomos dormir, as nossas identidades, os nossos “objetivos” e problemas. Em segundos, refazemos toda a história de um “passado” com o qual nos identificamos. Volta-nos então aquela velha náusea querida e toda a carga de traumas que pareciam ter dormido conosco, fazer parte de nós. Mas os reconstruímos naqueles poucos segundos, como quem antes de abrir os olhos, veste a pele, as calças, as botas. Acordamos vazios, nenhum passado sólido, nenhuma dor ou náusea proveniente de um “passado”, mas vestimo-nos deles antes –de abrirmos os pobres olhos. O que é isso senão colocarmo-nos no próprio e fresquinho, recém-saído do forno, labirinto? O restante de sua construção dar-se- á ao decorrer do dia, mais pedras fictícias para estas paredes fictícias que nos aprisionam.

          O único material que conheço, fluido o bastante para "retornar-se" gigante a cada manhã, em poucos segundos, e continuar engrossando pelo dia é o pensamento. Aqueles complexos afetivos fantasmáticos com os quais aprendemos a nos identificar e pelos quais todo um estranho sistema nos escraviza.

         Sim, este labirinto começou a ser construído para nós muito antes de nosso nascimento. Chegou-nos pelos antepassados. Surgiu da relação entre a humanidade como um todo e o que a permitiu constituir-se como humanidade. Do sistema que a definiu como humanidade. Suas regras, condicionamentos, enfim. Foi-nos presenteado, não a nós, individualmente, mas à nossa espécie. Herdamos um punhado de características geneticamente transmissíveis quando vistos individualmente. Somos únicos em nossas formas e no que o mundo fará de nós pelos tempos. Mas herdamos esta forma nefasta de relação com a existência – o pensamento condicionado – de nossa relação enquanto espécie, com a existência. Fomos transformados, enquanto rebanhos, em desnorteados construtores de labirintos ilusórios, aranhas cegas e psicóticas. 

sexta-feira, 22 de março de 2013

Prisões


0h 43min.

 Volto à velha prisão. Toco em suas paredes frias e úmidas, paredes de rotinas e pensamentos tão sólidos como pude acreditar. De alguma forma eu fui seu principal mestre de obras. Levantei-a com cada pedra que recebia ao redor de um sopro, de um nada pulsante, como se emparedasse a própria vida que passava por mim. Como se emparedasse o vento com tijolos de ilusões, com os cimentos do medo. 


Acreditei estar aqui dentro todo este tempo. Sim, havia certo conforto neste estar aqui, com estas toneladas vazias esmagando o peito em angústia, havia este esconder-se com cada pequeno movimento denso e possível. Estava aqui enquanto existia, enquanto conjugava este verbo como um verbo transitivo direto (e indireto). Mesmo enxergando apenas a parede, sua umidade e seu frio, alias, meus. Apenas meus.

Por que os antigos lamentos? Condenado a quarenta e cinco anos em regime integral, sem direito a visitas ou saídas, ignorando o estreito pátio redondo ao sol onde cadáveres cegos rodam os seus dias escuros, que outro juiz me condenou senão o próprio mestre de obras encarcerado pela própria colher de pedreiro, seus mesmos tijolos cozidos pelo pensamento? Não, os pensamentos não eram meus, tinha apenas a argamassa, a liga.


Por que os antigos lamentos? O mundo não consistia naquela luz que mergulhava pelas estreitas frestas da parede, nem as trevas que a cercavam e eu sabia disso. Apenas tinha pena daquela densidade que se sonhava viva entre os tijolos escuros e a umidade fria das ilusões.

Acabo passando a vida a conhecer sonhos muito mais profundos que os meus. Densidades mais escuras e tristes do que esta que escreve agora. Prisões mais úmidas e torturadas. Paredes tenebrosas e bem mais cultivadas que as que as que dispunha. Eles acreditavam e acreditam todo o tempo, e o fiz apenas por quarenta e cinco anos. E desde antes da sentença eu já duvidava de toda a corte (e de mim mesmo, o mestre-de-obras, o carcerário, o juiz, aquele que em sonhos permitiu os tijolos).

Os passos ainda são tímidos sobre a terra molhada. Mas passam, voam sobre a lama, leves, consistem cada vez menos destas velhas botas a se desfazerem. Olho para trás num relance e a velha colônia prisional já acendeu suas luzes. Escuto os lamentos de seus habitantes, lamentos que me seguirão ainda por um bom tempo. Por muitas noites. Afinal, ainda escolhem. Para eles devo ter sido um covarde. Não aguentei aquele teatro macabro, aquela insanidade emparedada, seus tijolos brutais. Não comunguei isso que eles chamavam de vida. Suas bíblias, suas cartilhas, oficinas e pátios ao sol. A sopa da noite com pães mofados, pães humanos. Não, eu não suportaria mais uma noite. Para eles estou morto agora, “inexistindo”. Sempre soube disso. 

O Rodeio Das Noites


Março, 13, 2013

               17h 30min. Dias cheios, quentes, três dias para o fim deste "inferno zodiacal". Quarenta e seis anos em breve e ainda preso a uma rotina iniciada antes do nascimento. Preso a uma dimensão existencial compartilhada pela imensa maioria dos humanos. Do que quero fugir? Que estranhos caminhos me deixam desconfortável, do que desejo saltar?


A cidade anoitece, seus postes acendem um a um, o peso deste dia dilui-se aos poucos enquanto transcrevo este momento no papel. O azul claro da pequena igreja funde-se ao azul do céu que nos engloba, a alma despertando de seu sono denso de luz e calor. Escrevo quase tranquilo nesta noite que insiste em começar, deixando meus inoportunos fantasmas nesta estranha discussão de sentimentos, eles só sabem falar e pesar. Sem a tolice de esperar agora futuros ou lamentar passados, estar aqui neste ponto que há muito persigo, saber-me essencialmente adimensional.

               Na hora do almoço que não almocei pensava sobre dimensões. Dissecá-las. Senti-las. Mas vi apenas percepções. Nada para fora deste “mim” essencialmente vazio. Apenas um punhado de neurônios que adoram alucinar o universo em dimensões, este puro acontecer que não cabe em palavras, teorias, metafísicas, religiões, pensamentos. Porque isso é tão tênue, tão vazio que não possui a matéria das letras e dos pensamentos. Isso, apenas isso, sem ser, indescritível.

               Não há do que sair. O caminho é apenas uma forma de condicionar esta consciência. Seus trilhos, dormentes que ela mesma coloca dia a dia sob seus pés. Não há nenhum caminho. Trilho de um só dormente, diariamente colocado sob estes pés, condicionando-os, fazendo-os pensar que marcham há anos sobre uma longa estrada de ferro. Sim, a ilusão dos trilhos. Apenas uma brecha de percepção neste labirinto forjado por mim, apenas um instante de pleno olhar, apenas o findar do tempo neste último instante, nesta expiração...

               18h02min. Não quero escrever sobre dores e corações perdidos, ruídos que agora parecem não importar. Há um gosto amargo de fim, há o estar só, uma casa que ainda marca presença e intensidade em suas paredes. Estupidez prender-se a memórias, todos somos ventos e livres afinal. Leveza é passar sem passados, mesmo que tristes, perdidos, sempre um verbo sem conjugação alguma. Alívio, como em nenhum outro momento denso já trilhado. Inferno zodiacal... Disse há décadas em meu Rio militar que certas sementes só germinam em infernos.


Um magro felino que ainda não conhecia vem para esta cadeira roçando a perna, mourisco e branco. Senta-se ao lado de minha bota e observa a cidade passando pela noite. Distrai-se um pouco e volta para o meio da praça. Há uma qualidade estranha de silêncio por aqui que nos atraiu. Invisível às poucas pessoas que passam por aqui, um senhor sem tempo escreve à luz de postes sobre a mesa. Sua noite avança rapidamente. Os ventos começam, novamente, dentro.

Recordo-me de um livro sobre “causos” e lendas de minha terra, da minha juventude. Penso no quanto seu autor foi feliz na escolha do título – “O Rodeio dos Ventos”. Invejo-o neste momento.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Psiquiatrices III: Os Transtornos da Esvravidão


          Sempre tentei viver um certo “meio termo” em minha profissão, nenhum radicalismo extremista num mundo “cientificamente” incerto. Não acreditando em “doenças”, mas em “padrões” e “desequilíbrios”. E vendo a medicalização dos sintomas como uma violência (muitas vezes necessária) contra o que realmente somos, tanto em termos estruturais quanto em relação aos nossos embates com a vida. Medicando literalmente os que não mais se suportavam ou os que representavam, quando em “crise”, riscos a si próprios ou a terceiros. Tentando medicar sempre o mínimo possível. Na medida de um possível.

         Nossa psiquiatria jamais se fundamentou em algo que podemos chamar neste lado de mundo de “científico”. Exames (evidências) não corroboram diagnósticos psiquiátricos, antes, os excluem. Nada por aqui é palpável. Nossas práticas são baseadas em observações e experiência. Padrões de comportamento que se repetem em indivíduos, drogas de alguma forma efetivas descobertas ao acaso, enfim, nenhum fundamento biológico, nenhum fundamento patológico consistente.

          E grandes corporações apregoam uma “ciência” que justifica cada vez mais e mais a medicalização da existência, claro que em troca de dinheiro. Um sistema de classificação de doenças que tenta codificar e “patologizar” cada constelação de sentimentos que surge no embate com este velho mundo, “medicalizando-as”. Um conjunto empírico de conhecimentos tentando “biologizar-se”, obviamente porque medicar coisas biológicas rende fortunas. Como tentar interpretar um “google” pelas peças de um notebook. Tomar a manifestação pelo suporte material, a ideias pela célula cerebral, a criação por um punhado de neurônios imbecis. Não existem exames diagnósticos em psiquiatria. Porque a "mente" nunca foi um órgão, ela é um vetor condicionado que exala das estruturas em seus embates com o dia a dia. Quando esta doença começa a aparecer nos microscópios e nas sonografias, elas já materializaram, já se tornaram parte, úlceras, cânceres, enfim. A indústria "científica" existe e é preponderante na psiquiatria. Isso sempre me enojou. Ciência como indústria. Mas fazer? Estruturas psicóticas e depressivas aparecem, o mundo enlouquece dia a dia, "depressões" são criadas, cultivadas e vendidas. Sempre desconfiei de "trabalhos científicos" (patrocinados por laboratórios!).



          Apesar de todos os questionamentos as pessoas “adoecem” (desequilibram-se em diferentes níveis de profundidade, exibem os mais variados tipos de sintomas, apresentam perdas com isso). Pessoas subitamente perdem o contato com esta realidade (imposta e fabricada, adaptativa...), deixam de estudar, de trabalhar, de continuar a produzir e suportar esta e para esta vida “normal”. Prejuízos.

          Prejuízos...

         Prejuízos para uma sociedade que suga a vida de seus súditos, para famílias que exigem posturas condizentes com os ditames da escravidão, para egos que explodem por não suportarem mais sabe lá o quê. Prejuízos para uma sociedade insana, brutal, escravagista, morta.

          Compreender um simples “sintoma” implica em compreender o mundo que o permitiu e que o acolheu. Implica em perceber que tudo está interligado e desde sempre. A compreensão de um simples rebaixamento do humor ou umas súbitas palpitações pode significar a compreensão de um sistema que escraviza, abafa, destrói, condiciona, pode ser a percepção de um estado individual de escravidão. E significa também nos percebermos nele. Não tentarei compreender uma “esquizofrenia”, mas uma desordem num mundo que me envolve também, assola, me adoece.

          A medicina – não só minha psiquiatria – a medicina trata de seres que não mais se adaptam aos seus papéis. Minha úlcera me impede de retornar à fábrica e produzir a fortuna do empregador. “Readaptação”. Sou tratado para retornar às fábricas da vida, para continuar rendendo aos empregadores, sou tratado para continuar movendo a granja humana. Em psiquiatria, esta inadaptação é muito mais profunda.

          O dia a dia dos condicionados, dos escravos... As "doenças da escravidão", da Granja humana. Adoecemos porque o mundo não pode dar vazão a todas as nossas expressões, e este mundo estreita cada vez mais nossas expressões. Este mundo é condicionado pela dor e a servidão. Aí querem culpar os genes, os neurotransmissores e tudo o mais que esteja ao alcance. E ganham-se fortunas com isso. O escravo sempre acaba rendendo, mesmo quando protesta com a sanidade.


          Os “doentes” espalham-se por todas as áreas da clínica médica. O número de pessoas que frequentam os ambulatórios de “saúde da família” não causa inveja aos nossos serviços de psiquiatria. Nem seus desequilíbrios. Pessoas movidas a “paracetamol”, “omeprazol”, sinvastatinas, hipoglicemiantes, anti-hipertensivos, falando-se apenas das “doenças” mais comuns. Dores de cabeça crônicas, dores musculares, gastrites, diabetes, hipertensão... Ao menos aparecem em exames, são “científicos”, mesmo que não saibamos as causas reais (“idiopáticas”, “essenciais”, como chamam). São os mesmos processos refletidos em órgãos palpáveis, órgãos que também fazem a fortuna das indústrias farmacêuticas. E na verdade, a maioria dos pacientes encaminhados aos nossos serviços destas unidades já chega com uma prescrição de um ansiolítico (diazepam, bromazepam etc.). Ou fazem uso de um deles há anos. Estes pacientes também chegam aos postos em busca de um comprimido milagroso. Todos os sintomas, somáticos ou psíquicos, parecem refletir um mesmo processo. Parecem provenientes de uma mesma origem. Fabricados ou traduzidos da mesma granja humana.

          Um escravo é alguém que precisa trabalhar para viver. Que é sugado por um trabalho monótono e remunerado com um mínimo para sua sobrevivência. Sim, os empregos escasseiam. Nem todos tiveram a chance de bons estudos. Os lugares ao sol são poucos.

          “Mas a vida teve também seus momentos felizes”, dizem-lhe. Felicidade deve ser também trabalhar anos e anos para enriquecer outras pessoas, trocar mensalmente quase todo o sangue pela sobrevivência, sem tempo de mais nada, a não ser trabalhar. Ou deixar todo um planeta cada vez mais pobre, doméstico, desértico. Morto. Mas é porque o trabalho dignifica o homem (o homem que manda, que ganha com o suor de outros homens?). Claro que existe, existirá sempre um tempo livre quando não houver liberdade: Tempo para a bebida com os amigos, tempo para a televisão, para uma diversidade impressionante de anestésicos inúteis. Para as fugas. Vão-se logo os “tempos felizes” e o que fica neste vazio?



          Nascemos da dor. Mães agonizam diante de um nascimento. A primeira coisa que um rebento faz é chorar, colocar sua estrutura biológica diante do mundo para sobreviver, como num jogo. Muitos aí são ceifados. E o rebento continua a colocar suas estruturas diante de uma Natureza nada piedosa. Passará por doenças, por perigos, será sempre o jogo de suas estruturas com o universo. Adentrará então o “mundo da cultura”, será “civilizado”. Aí então apresentará ao mundo, num mesmo jogo, novamente suas estruturas (agora psíquicas). Deverá ser capaz de aprender, tolerar frustrações, deverá preferencialmente ser incapaz de surtar (esquizofrênicos não escolhem suas esquizofrenias, sucumbem ao mundo com suas estruturas).

          Escapando disso tudo – ou então enquanto escapa disso tudo – deverá suportar toda a carga de uma quase nunca saudável vida familiar. Sabemos que a maioria das famílias de humanos não apresenta lá uma carga muito salutar para seus rebentos. Falo de pais alcoólatras, instáveis emocionalmente, parentes perversos, de abusos, enfim, coisas corriqueiras nestes e noutros tempos. Espancamentos, discriminações. Ainda em paralelo, a sociedade domesticadora. Escolas, igrejas com seus pecados, a competição injusta por um “lugar ao sol” – vagas em boas escolas e universidades. Empregos escravizantes. Surgem os “instintos” e uma nova família é envolvida neste jogo. Mais um a passar pelo mesmo corredor polonês. O antigo e inocente rebento de nossa historinha agora trará a este mundo nada insano e brutal mais outro rebento.

          Tudo no seio de uma sociedade abençoada e sagrada.

          Então o nosso rebento teve sorte. Aquela famosa praga de aniversário: “(...) muitas felicidades, muito anos de vida”! Isso de “muitos anos de vida” acaba dando certo... E nosso personagem envelhece, surgem as dores no corpo, o vigor físico vai-se aos poucos. Mais doenças, mais um jogo das estruturas (agora decadentes) com o Universo. Então nosso personagem sobrevivente começa a perder aos poucos as pessoas queridas, primeiro os avós, depois os pais e os tios, os irmãos mais velhos, os amigos mais doentes ou velhos... Se tiver sorte. Com mais sorte ainda poderá terminar seus dias numa cama, cada vez mais sem noção do mundo que o cerca, dando trabalho aos entes queridos mais novos que o cercam (e que seguem o mesmo caminho, caso tenham também sorte).



          Há algo de errado com nossos diagnósticos e ao que desejamos “readaptar” nossos pacientes.  “Reabilitar” à escravidão, a uma sociedade que cobra o nosso sangue e a nossa sanidade dia a dia, que impões valores e ideais extremamente egocêntricos e rentáveis. Seguir este caminho é adoecer. Corpos e mentes não suportam por muito tempo a alienação, por mais “adaptáveis” que pareçam. Então eu não posso falar de “cura” quando o próprio meio adoece. Eu posso falar de paliativos, de alívios temporários, de “remédios”. E disfarço isso com duzentos, trezentos transtornos psiquiátricos diferentes, milhares de códigos de classificação. E isso tudo torna-se muito rentável àquela categoria mais bem paga de escravos. 

          Numa "depressão" a primeira coisa que perdemos é o "sentido". Ao lado do ânimo que se esvai - ânimo para continuar "produzindo", exercer um papel condicionado que se arrasta há anos e nos "adapta" a isso tudo. Não há mais energia para continuar. O peso de nosso teatro torna-se insuportável. Dos nossos afetos. Mas vão-se os sentidos. Sim, aqueles sentidos que construímos com o que nos foi imposto pela civilização, pela família, por sonhos.   Vão-se os disfarces. Perceber que tudo o que vínhamos construindo e esperando nada significa diante de uma realidade maior que ameaça despontar. "Louco é o viajante que constrói casas no caminho" (Provérbio árabe). Chamam  isso de "F32" (ou F33 se não for o primeiro episódio), "Transtorno Depressivo", no Código Internacional de Doenças. Transtorno? Talvez um "Transtorno de Protesto Existencial", seguindo o estilo dos classificadores. Chegamos a um ponto onde questionamos os sentidos impostos e percebemos a imensa desgraça desta resma inútil de papéis existenciais agregados e condicionados. Algo em nós rejeita a escravidão e a luta insana de nossas estruturas com esta máquina. Eis um ponto que, de certa forma, representa lucidez. Aquela lucidez vivida com todos os sentidos e aparada no corpo com toda a força. Então sucumbimos. E boa parte continuará a sucumbir a este processo por toda a vida. 

          


terça-feira, 9 de outubro de 2012

2012 na Granja...

" Então, o que os senhores são? Eu digo que os senhores são um feixe de tudo aquilo que é associado pelo pensamento. O que os senhores pensam, isso os senhores são". (Krishnamurti)



          O que realmente queremos? E como podemos pensar em "mudanças" daqui de onde estamos e respiramos? Não conseguimos a obviedade, a visão direta das coisas que nos cercam e assolam. Porque dói sabermos o que somos agora. Dói saber-se mortal, entender a impermanência de todo este sonho, dói. E a dor traz o medo. O medo que contrai. A dor é o estado usual do ser, sempre variando conforme nosso grau de consciência.




          Eis 2012 às nossas portas. Para 12 de dezembro ainda nos restam 64 dias. Para 21, 73 dias. Mais uma vez a humanidade voltou a sentir os sérios sintomas de "apocalipsismo agudo", estranho mal que acomete humanos a cada dobra de milênio. O atual "corpo místico" destes tempos, divididos em inúmeras "facções", aponta tantas certezas e desfechos, tantas tragédias para esta festa, numa confusão de fazer dó. Tenho nestes últimos meses seguido vários blogs e grupos para ter uma visão panorâmica da coisa. São tantas certezas e tantos conselhos quanto são os grupos que atuam, pesquisam, opinam. Como formigas em folhas perdidas num grande rio incerto.

          Seria cômico. Chega mesmo a ser cômico aos racionalistas, ateus, céticos e agnósticos que pensam de um outro lado deste mesmo muro. Mas eu não rio. Aliás, também estou neste rio.

          Sim, o velho planeta chegou até esta dobra de milênio num estado realmente aterrador. Conseguimos nestes últimos tempos avançar tanto nosso aspecto neoplásico, humanizamos tanto este planeta que agora agoniza e converte-se em dejetos petrolíferos... E nunca fomos tão escravos, tão servis às grandes corporações, aos corruptos da política, a este laboratório insano e cruel que representa esta civilização. O mundo comporta-se realmente  como  se governado por algumas elites específicas e entrelaçadas, associadas em mecanismos conspiratórios (como aquela pirâmide "illuminati" que abunda pela net). Tudo parece uma imensa e impiedosa granja onde humanos são amontoados, vacinados, engordados, perturbados e violentados para o engorde e o abate. Ao mesmo tempo que nossas mentes são dispostas em estúpidas prateleiras de condicionamentos e alienação pela educação moderna - para funcionarmos como estúpidos robôs programados e domesticados - sim, "Matrix".



          Pois bem. Confusão na granja de humanos. Místicos correndo para todos os lados, diversos "caminhos" tecidos num verdadeiro tsunami de informações contraditórias e questionáveis. Céticos disparando soltas  risadas deste movimento caótico (enquanto seus poleiros incendeiam lentamente e não percebem). A "casa" está pegando fogo desde os tempos de Sidarta, mas poucos realmente sabem o que isso significa. Poucos conhecem a saída. A impressão que tenho é que um silencioso grupo se diverte muito com isso, dispondo oportunamente esta confusão para a granja de final de milênio.

          Se eu fosse um "Illuminati" e percebesse nesta granja alguns humanos começando a perceber a coisa, se fosse um pouco mais reptiliano do que pareço, faria exatamente o que a internet faz: Disponibilizaria inúmeras informações questionáveis, semearia diversas tendências e grupos "libertários", conspiracionistas, disponibilizaria "mensagens" de inúmeros arcanjos e capitães interestrelares interessados na salvação das aves desta granja... Encheria o youtube de óvnis e nibirús, a cada dia mais "provas" e "provas"... E a cada dia, mais grupos e grupos diferentes, mais dúvidas, em essência... Mais Divisão dos grupos libertários. ... E contando sempre com os EGOS humanos. Pronto. Armado o baile das aves humanas desta granja. E continuaria a manipulá-las do mesmo jeito de sempre, em silêncio. Não sou paranóide (tanto...) mas sinto, às vezes, alguma coisa imensa e oculta  a silentes gargalhadas por cima de nossas confusas cabeças.



          Tudo está confuso agora. Fato. Algo parece estar acontecendo na surdina, inicialmente, e digo também Fato. Alguma coisa parece sim estar prestes a acontecer - e algumas coisas não desejam que saibamos o que, como, onde (Minha saudável paranóia novamente exclama: FATO!). Os habitantes da Granja de humanos estão agitados e confusos - Uma grande parte apenas tentando sobreviver, uma outra parte cética a rir-se de nós e a  confiar numa certa "sciencia" (a mesma que fabricou e fabrica suas grades e poleiros), partes corrompidas que recebem uma maior quantidade de ração e poder (enquanto perpetuam a escravidão geral... Estiveram em festas no último dia sete...)...

           E minhas gastas e velhas botas perguntam-se: O que fazer?


          As informações estão soltas, inúmeras, talvez dispostas oportunamente numa variada salada de confusões... Confiáveis? Qualquer um que comece a escalar estes montes certamente ficará confuso. perder-se-à numa irracional exigência de critérios incertos. Sempre é bom observar, rastrear possibilidades e caminhos, informar-se. Mesmo se as coisas são movediças e de veracidade duvidosa. É o que venho fazendo nas noites insones, viajando por inúmeros blogs.

         Mas tenho que seguir um caminho de "certezas", quero saber o que está para acontecer e como me preparar para isso. E digo que por esta densa floresta é impossível. Aprecio sua vegetação exuberante, as linhas de pensamento místico, os grupos, aprecio espécimes bizarras, envolventes, estudo suas estruturas com curiosidade, mas é só isso o que posso fazer. Nenhuma garantia de que este ou aquele caminho, esta ou aquela hipótese sejam reais. O que a maioria de nós buscadores faz é uma entrega. Simpatizam com esta ou aquela corrente, encontram sentidos e mergulham nelas com uma força e uma radicalidade que somente egos podem criar e manter. Sim, egos. Não sofrem transformações profundas em níveis egóicos, sofrem entregas que prometem transformações, mas a nível de quê? Em nossos desesperos seremos sempre vítimas destas entregas.



          Penso que tudo deve começar por aquilo que realmente dispomos. Nesta alquimia interna a única matéria prima que nos cabe é aquilo o que somos agora - Os nossos próprios conflitos e egos, o solo deste subterrâneo pavoroso de onde existimos - "isso" que não tem nome nem forma mas me faz errar sempre da mesma forma (repete-se ciclicamente), "isso' que me povoa de medos e inseguranças, que cria meus sintomas e conflitos. "Isso" que rasteja silenciosamente por trás de cada máscara nossa, de cada engano, esquecimento, insônia... Que nos obriga a calmantes e outros anestésicos tão mortíferos quanto estes. Esta é a única matéria - prima por onde posso começar o trabalho, inquestionavelmente o trabalho mais importante de minhas existências. Aprofundar a consciência (seja lá o que ela seja) nestes entulhos nervosos e inquietos, em suma, nossos verdadeiros tesouros. Pois é deles que o "fogo" da consciência vai arder, vai alimentar-se, talvez um dia atrair seu mercúrio e transcender. Não é uma entrega ao Venerável Senhor da Chama Rosa, ao poderoso Comandante das Naves de Poseidon, ou aos Sagrados Guardiões dos Portais de Ô-Hay-Hô. O que estas criações duvidosas fariam com todo o sagrado lixo que carregamos (e fazemos questão de ignorar, de não olhar, de negar)? - Talvez dessem boas risadas, talvez estocassem tudo para um próximo coffe-break numa distante galáxia perdida. Esperar que naves venham a nos abduzir um pouco antes de explosões nucleares ou tsunamis, trazendo o Poderoso Elixir da Iluminação e do Rejuvenescimento... Bem, isso até pode acontecer, mas o que estes incautos estariam abduzindo, que confusões e traumas estariam carregando para suas colônias? E quem me garantirá que estas colônias intergalácticas não sejam outras granjas para humanos um pouco mais limpas e confortáveis? Sim há perigo por todos os lados, há perigo em ficar, há perigo em partir, há perigo em dar-se de ombros e rir-se. A Mansão de Sidarta pega fogo há milênios e a floresta lá fora para onde poderemos correr é perigosa.



          Não é a um 2012 apocalíptico que devo temer agora, a uma terceira guerra mundial recheada de naves bem intencionadas, não é a Nibiru ou ao batalhão de illuminatis reptilianos... Não, há algo muito mais tenebroso do que até a própria granja para humanos onde esperamos pelo abate: A minha ignorância, patrocinada pelo ego e pelo medo. Este lixo não trabalhado que ganhou vida e nos colocou aqui. Isso é muito mais perigoso -  e são as únicas coisas em que posso por as mãos (a consciência) - isso esconde o único portal que, se atravessado, poderá levar-me a talvez outros portais mais sagrados. Sim, meu portal mais sagrado esconde-se com todo este lixo que me tortura, me assola e me faz acreditar sê-lo. Minha libertação começa a partir do momento em que me agacho curiosamente sobre minhas podridões, idiossincrasias, sintomas e crenças - quando deixo de curvar-me a eles.

          Não há um método. Nem um caminho, um mantra, não há um mestre, um tratado esotérico que me sirva neste começo. Há o que há - uma consciência oprimida tentando enxergar-se. Algo de uma simplicidade que fere. Como a luz da manhã cortando os olhos de quem desperta de uma longa e tenebrosa noite.



          Minhas sinceras admirações a todos os buscadores inconformados que encontro pela net, pelo face, em uns pouquíssimos e caros amigos próximos. Nenhum radicalismo. Isso tudo é uma "democracia mística" e, sem radicalismos, todos podemos falar, expor. Queria trazer apenas algo que considero uma pequena contribuição - como as muitas que recebi de todos os vossos grupos, blogues, comunicados, sites (especialmente sites  da FIA e do Universo Spiral, no face). E aos companheiros de Jornada Alsibar e Dalsan Arnaldo.

          Não importa o que venha a chegar com 2012, mas em quem este 2012 chegará.





       
       


       

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

03.10.2012.... 0h1min






0h 1min. Ventos fortes por aqui, dançam nos fios dos postes como os sons das neves e montanhas.
O mar explode na esquina em ondas de maré cheia, meu silêncio de agora. Aqui parece bem longe do mundo, mas me trás o mundo.
Bem longe das pessoas, mas estou com elas. 
Aqui também é inferno, embora apenas com um demônio e sem sofrimentos alheios.
Um corpo de carne digita isso. Uma alma de vento observa. toda uma casa de exílio e noite compartilha.
A alma do que está aqui agora. O mundo se debate lá fora e ainda temos paz por aqui.
Minha Sorte. De ainda poder escrever e sentir, de ser Vento. 
Desconheço outro sinônimo de liberdade.
Os grandes ventos de Outubro que poucos conhecem.