terça-feira, 7 de agosto de 2012

Dedilhações

          
         Venta forte esta noite, a lua nascerá logo. Cheia de agosto (iniciou-se há quatro dias). O estrondo das ondas e das folhas em movimento calam profundamente este momento, calam a ferros. 


          Tempos que convidam à introspecção. O pior da solidão já passou há alguns dias. Continuamos aqui, sós, perdidos, mas isso tem importado pouco. E sem as bençãos dos vinhos. 


          Conversava (digitava) há pouco com um grande amigo de outro estado com o qual tenho grandes afinidades. Alma sensível e questionadora, professor de uma universidade,  físico. Eu estava estagnado em idéias. Seus questionamentos me tocaram profundamente, atiçaram meus dedos, trazendo novamente este velho cérebro às letras. Foi como se eu nunca tivesse pensado isso tudo antes - isso tudo que faz parte dos meus dias há anos. Me trouxe inquietação e movimento para estas horas de noite e ventos.

                                                                          * * * 

          "Você assistiu ´O Pequeno Buda´, de Bernardo Bertolucci? Conta a trajetória do Príncipe Sidarta até tornar-se um buda. Seus pais, por amá-lo demais, o protegiam de tudo o que julgavam ruim: doença, pobreza, dor, sofrimento, velhice e morte. Vivia um mundo perfeito até que um dia viu tudo aquilo o que lhe foi ocultado de uma única vez e sentiu-se profundamente perdido. A partir daí começou sua busca pela iluminação. Primeiro, acreditou que seria possível encontrá-la a partir do sofrimento, passando anos meditando na frente de um rio, embaixo de uma árvore, sem comer ou beber caso não caísse uma fruta da árvore ou chovesse. Foram anos nesse sofrimento até que um dia ele viu um homem em um barco ensinando uma criança a tocar um instrumento indiano: `Se você deixar a corda frouxa, não produzirá som`, dizia o homem à criança. `Por outro lado, se você apertar demais a corda, ela arrebenta´, completou. A percepção do caminho do equilíbrio  foi o início da trajetória de Sidarta para o Nirvana e tornar-se Buda, na linguagem de Bertolucci. Percebo semelhanças. Você se isolou, sofre. `Um sofrimento necessário´ segundo suas próprias palavras".


          Não, não estou buscando sofrimentos... Apenas tenho estado comigo e todo este caos que sou. Quando morava com alguém, eu não "era - para - mim". Era para minha companheira. Não sabia como era "ser - para - mim".  Precisei ver-me "para - mim", reagindo com a vida - e foi o que fiz nestes últimos cinco ou seis anos... (...) Tudo é relação. Com o que me relaciono agora diuturnamente? Com minha interação (relações) com o mundo. De primeira mão e quase sem disfarces nalguns momentos. Foi foda no começo (ainda é às vezes)... (...) Bebia muito no começo. 


          "Não sentes falta de alguém"?


          Sim, sinto falta às vezes de uma companhia, sexo, filmes, boas conversas, contacto. É o que mais me perturba, às vezes.    


          "Você vive um paradoxo, então... Quando tinha alguém não conseguia perceber-se. Agora, integralmente para você, sente a falta de alguém".
        

            Sabia que este era o papel desta "casa" - casa dos ventos - "Ventificar" tudo - a consciência de sermos o e um com o vento. Um último estágio de "não-sei-o-que" indo para um "não-sei-aonde". Sinto falta, normal, mas isso não me toma o tempo todo. Não me parece um paradoxo real. Sim, é muito bom o "outro" em seu dia - a - dia, em suas noites, suas conversas, filmes... Mas não  busco agora o outro como um desesperado, como quando "me' buscava ao lado do outro. Precisava viver esta relação "para - mim". De que forma a viveria?       


         " Penso que algumas inquietações nos acompanham, estejamos onde for".


          Não sei para onde vou depois ou como vou. Busco esta consciência plena destes "agoras", do estar aqui, sem outros nomes ou fantasias. O que fizer com esta consciência depois, aonde isso irá me levar, não importa.


          "Esta busca sempre estará com você, com alguém ao seu lado ou não. Na Casa dos Ventos, em Porto Alegre...".


          Após cada porto, como será a busca? Acredito que as coisas funcionem como se em "níveis sobrepostos". A distância percorrida de um nível a outro, o atravessar fronteiras, "transcendências". Há uma forma de ordenar a casa que vem de dentro, que é rara, que pode custar uma vida (ou muitas). Equivale a jogar-se num útero ao lado de quatrilhões de outros, em busca de um óvulo (e apenas uma vaga!). Chegar ao óvulo custa a sorte sobre todos os outros e a perda da cauda que te movia. Esta é uma transcendência da natureza, Claro que não existe competição neste processo. Existe um pareamento de forças, um jogo de possibilidades... Nenhum espermatozoide compete com outro espermatozoides, eu vejo como um pareamento de forças. Nenhum "autêntico buscador" compete com outro. (...)Tive a sorte de, cedo, ter conhecido estes mecanismos, estas coisas. Mas foram anos e percalços até isso começar a amadurecer... Começo agora a viver isso na pele. Sempre vivi com isso incrustado e agora isso começa a florescer. Acho que nasci para isso. Os anos foram se passando (com desinteresses, fases mornas, frias) e fui vendo que nasci para estas coisas.


          "Pelos seus argumentos, se você conseguiu apaziguar as atuais inquietações, outras virão. Se você está satisfeito investindo energia e tempo neste movimento, não questiono qualquer coisa. Por outro lado, algo falta. Algo que não esteja em você. A solidão da Casa dos Ventos não será suficiente para encontra-se... Ou você quer acreditar que nasceu para isso?"...


          Não vou jejuar abaixo de árvores "frutuosas" à espera de chuvas (aqui eu morreria de sede!)... Isso aqui não é um jejum. Me parece um "estágio". Amanhã não importa, aqui é o tempo da consciência. Não busco apaziguar inquietações, seria ridículo (mais fugas... fui muito bom em fugas). Observo fenômenos - como a lua nasce assim e em tal hora, observo sentimentos, observo carências, estados bons e estados ruins que nascem aqui e se vão. Observo cada vez mais intensamente. Não quero "me encontrar". Não parece haver nada para encontrar-se num mundo essencialmente de desencontros. Isso aqui é um pedaço do universo onde existo e forjo esta existência. Isso aqui é um ínfimo pedaço do Universo onde parte de mim acontece, movimenta-se junto com estrelas e sensações, dores e alegrias...Isso aqui é uma ínfima nuvem que passa em velocidade vertiginosa, sem começo nem fim.


          "Em uma forma simples, o que você espera deste estágio? Simples...


          Esperar não me parece viver. É estar nos sonhos, desejos, fantasias, pensamentos. Daí definirem "tempo" como "pensamento". Não espero, tento ver. Nalguns poucos momentos a visão é quase clara, noutros é turva, mas a "paixão" associada ao ver vem se tornando mais forte. O que tenho do amanhã? Pensamentos sobre um amanhã. O que trago do ontem? Pensamentos. Nunca planejei nada em minha vida, nunca consegui realmente isso. Não quero fugir nem sonhar, esperar ou coisa parecida...


          "De uma forma simples, você quer se perceber em plenitude pontualmente? Entenda plenitude com todas as formas possíveis. **Eu vou dar aula em dez minutos. Não estou fugindo e nem com síndrome de TIM..."...


          O que pode acontecer com uma consciência quando ela atravessa uma região de sonhos, transcende este espaço? O que ocorreria ao portador desta consciência? Desintegraria? Enlouqueceria? Passaria o resto da vida embaixo de uma árvore a meditar, frente a um rio, esperando frutas maduras e chuvas? O que sobraria para um ser que não vive mais pensamentos? Como seria este vazio? Como poderia um feto descrever-se a quatrilhões de espermatozoides? Como estes planos bem diferentes, em suma. poderiam comunicar-se? Eu não sei.


          " (...) O semestre começou ontem mas já estou exausto... Não queres ir dar uma aulinha em meu lugar " ?


          Há! Há! Há! Sobre o que???


          "Metrologia científica... "


          ... ??? Há! Há Há!!!! ... uffff... Desviaria o assunto para "A Concepção Tradicional Chinesa Antiga à Respeito das Propriedades Místicas dos Caroços da Melancia e Suas Relações com a Física Moderna"... Provando brilhantemente que não existe relação alguma entre elas...

                                                                          * * * 












8 comentários:

  1. Amigo Nestor, seu texto está brilhante. Todavia, não consegui me segurar. Peço sua permissão para tecer humildemente algumas considerações sobre estes pontos em particular:

    "1.O que pode acontecer com uma consciência quando ela atravessa uma região de sonhos, transcende este espaço? 2.O que ocorreria ao portador desta consciência? 3.Desintegraria?4. Enlouqueceria? 5.Passaria o resto da vida embaixo de uma árvore a meditar, frente a um rio, esperando frutas maduras e chuvas?6. O que sobraria para um ser que não vive mais pensamentos? 7.Como seria este vazio?"

    Não é minha pretensão responder a estas perguntas- nem tirar a poesia do seu texto, mas simplesmente opinar sobre as mesmas:

    1.Não há espaço nenhum a ser transcendido pela consciência. Uma consciência livre é aquela em que o pensamento não ocupa espaço algum.E se ocupa-não se demora, nem cria raízes; passa logo. Sem pensamentos limitantes, ela perde suas fronteiras, tornando-se vasta, silenciosa, ilimitada.
    2.Um silêncio, que não é o silêncio das palavras... um silêncio que não pode ser expresso, nem definido, nem identificado por nomenclaturas e definições.
    3. Desintegra-se o EGO (PENSAMENTO SEPARATIVO). Surge a "consciência da consciência".
    4. Loucos... já somos. A história tem demonstrado o contrário: quanto maior a "consciência da consciência", maior o equilíbrio e harmonia interior- uma vez que cessa o conflito da separação do pensamento ( EGO).
    5.O que faz uma consciência que desperta? É imprevisível. Ele segue os poderes de "dentro". Sem resistência ou escolha. Como deixou de viver no EGO, ele vai sendo "vivido", movido, pelas forças mantenedoras do universo. Se estas forças o impelem para o ascetismo, para o casamento ou para qualquer outra "missão"- por mais humilde que seja... ele assim o fará.
    6. Lembra da Física Quantica? A mesma coisa...o que quer que "sobre" você não estará la pra "ver". O observador altera o fenômeno observado. Quando você não está o que resta? Não temos como saber. Se há Consciência... não há o "eu", enquanto "EGO" classificando e identificando os fenômenos.
    7. O Vazio não pode ser definido, nem visto (pelo EGO), nem sondado. Se o sondamos, definimos, classificamos ou analisamos, deixa de ser o "Vazio" ( pois o EGO estará lá sondando a experiência). Usamos esta palavra apenas como conveniência comunicativa. O Vazio é aquilo que não pode ser definido, nem concebido pela mente-pensamento.

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  2. Falta de espaço. Do feto, antes cheio de espaço dentro da barriga da mãe, conforme vai crescendo livre e solto, cada vez seu espaço diminue, até que um dia, já formado, começa a chutar a barriga da mae. Dizem que é porque se tornou egoista pois diminuiu seu espaço e procura de algum modo mais espaço. Nasce, é ensinado normalmente pela sociedade a continuar seu egoismo - ja sabemos o 'modus operanti" disso. Mas, não tem muito sentido continuar sendo egoista - serve pra preservar a vida , mas e depois? Serve pra separar um do outro... Muito bem... Isso significa maldição. Qdo descobrirmos como superar essa maldição desde fetos, saberemos o que é Amar, pelo menos um outro.
    E quando se ama, o espaço fica enorme: cabe muuita coisa.

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    1. Sim, um salto!!! O espaço tem que findar, a configuração deve findar para dar ligar a outras possibilidades. Acho que nossa consciência também vai se "enchendo", expandindo, deixa de caber nos limites do ego - nos condicionamentos, nas visões, concepções antigas, tradicionais... Acho que é isso que ocorre conosco - somos "cabeções', não cabemos mais nisto que nos delineou até aqui. quando a consciência rompe (sem romper-se), quando transcende, um parto - Finda o espaço e aí começa o palco do amor. só seremos capaz de amar assim - sem limites, sem sujeitos - não amar mas ser o amor em si, movimento.

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  3. Sim... preferi tecer as possibilidades de um despertar para uma consciência não liberta: O que esta consciência conceberia, quais seus medos? Como seria o tornar-se feto para um espermatozoide? Tentei não colocar para meu amigo o que "penso" de uma consciência desperta - pois nem a mim coloco definições... Eckhart Tolle, após o estalo, simplesmente largou sua carreira acadêmica e ficou anos vivendo praticamente num bando de praça... Aos dormentes parecia loucura, mas ele estava simplesmente satisfeito com o "estar' - isso é inconcebível, inexplicável, apenas nós, buscadores, temos lampejos do que seja isso. A mente racional fez disso um paradoxo tão intrincado (como fez com a morte-o que aliás é a mesma coisa). Não queria passar idéias de "despertar", pois eu mesmo venho me desfazendo destas idéias. em termos de compreensão, esta barreira é intransponível. Ainda hoje não consigo explicar em palavras a experiência de fusão com a árvore (Eucalipto, há uns 15 ou 16 anos atrás).

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    1. (difícil foram os quinze anos seguintes tirando folhas das orelhas e ter que passar a vassoura no quarto todas as manhãs...)

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    2. A consciência só percebe a inexistência de espaço a ser transcendido após ela transcender. Antes, me parece presa a esta dimensão.
      No despertar, sim, há a "cura" da consciência, ela plenifica-se. A doença mental surge exatamente quando a consciência continua vida afora embutida em seus limites, no ego. Ou quando rompe-se, outro processo (quase antípoda ao despertar). Nossa busca pode levar-nos, no máximo, à frustrações quando permanecemos grudados no ego.
      Para os companheiros de Eckhart Tolle, ele enlouqueceu. Para o próprio Tolle, eles continuavam na loucura.
      Existe o solo. Existe a semente e a água. isso não basta, ao natural, para o broto surgir. É como se a natureza atirasse diversas possibilidades, diversas "mentes" no caminho. Apenas algumas brotam - e nisso não tem 'vontade de deus' ou esforço da semente... quem o sabe? "Deus não é simpático. Nem é seu tio" - no Talmude. Não conhecemos nossas histórias.
      Bem lembrada a física quântica! Meu amigo é um grande físico e não quis entrar em seu campo. Ele iria me por em frangalhos! Mas é isso mesmo, deixaremos de acreditar que tecemos o universo - aprenderemos que tecíamos a nós mesmos, éramos tecidos pelo universo e acreditávamos estarmos a tecê-lo,... curioso...
      O vazio... O curso das coisas naturais, o fluir daquilo que corria abaixo de nossos ruídos egóicos... Sim, não pode ser definido por este ruído. O vazio contém. sim.

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  4. Toda busca, seja espiritual, é uma busca por satisfação pessoal; é apenas um movimento do Ego : pura acumulação. Finda quando há o *perceber* desse movimento. Essa é a diferença entre a baixa e a alta espiritualidade: uma continua a buscar, a outra termina - sem conflitos. http://desreflexivo.blogspot.com.br/2010/08/busca.html

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    1. Exato! Poderia chamar o movimento (intelectual, religioso, místico, mas da "mente") que nos leva a apontar o espírito para esta direção (libertação) como "busca". A partir daí, vingando o processo, não há mais busca ou caminho. Quando soçobram as tentativas e findam-se os movimentos, quando o vento desaba as paredes...

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