O Professor Alsibar postou em seu blog um artigo muito interessante cujo assunto me vinha coçando o juízo há meses (http://alsibar.blogspot.com.br/2012/06/iluminacao-ou-loucura.html?showComment=1340582770859#c6896109765428238990).
Psicóticos, Iluminados, Oportunistas... Que relações existem entre estes indivíduos e a "doença mental"? O que leva um ser a escutar vozes e fechar-se em si, ou largar as coisas do mundo "morrendo" para o ego, ou explorar criminosamente multidões com seu carisma? O que os diferenciaria dos "normais?
"Psicótico", para nossa ciência, está definido não como um diagnóstico (como depressão ou esquizofrenia, por exemplo), mas como um conjunto de sintomas específicos. Reza nosso CID 10 (o código de classificação de transtornos mentais, décima edição, proposto pela ONU):
"Psicótico foi mantido como um termo descritivo conveniente (...). Seu uso não envolve pressupostos acerca de mecanismos psicodinâmicos, porém simplesmente indica a presença de alucinações, delírios ou de um número limitado de várias anormalidades de comportamento, tais como excitação e hiperatividade grosseiras, retardo psicomotor marcante e comportamento catatônico". (OMS, 1993,p.3).
"Psicótico" refere-se a um indivíduo que apresenta sintomas específicos sem referência a uma causa ou diagnóstico. Estes sintomas poderiam estar presentes em um grande número de transtornos. A mídia, entretanto, aproximou este conceito ao de "esquizofrenia", pois boa parte destes sintomas ocorrem nas esquizofrenias.
O esquizofrênico em geral apresenta um mundo interno caótico, desestruturado, sua fragilidade é tal que permite esta impressionante variação de consciência e estas construções aberrantes de mundo. Habitam um "espaço existencial" extremamente frágil e à mercê de suas correntes internas desorganizadas, sombrias. Experimentam quase sempre o pior dos infernos. Em alguns casos, seus delírios os arrastam a crenças e práticas absurdas e até danosas. O relacionar-se com o mundo quase sempre adquire tonalidades grotescas e incompreensíveis para nós. Mas todos são, essencialmente, místicos. Em relação ao "modelo hipotético" que divido com o Professor Alsibar, diria que o caminho místico exige o pleno sacrifício do ego, um sacrifício "racional", vivido na realidade. Mas estes paciente nem mesmo conseguiram estruturar um ego plausível, sólido. Daí pergunto ao professor Alsibar se o ego teria uma função estruturante ao início do caminho. Talvez tenhamos que passar pelo estágio de "ego comum", com um ego bem formado e estruturado, pois estes fundamentam-se em nossas defesas psíquicas. Em outras palavras, é como se nossa "iluminação" necessitasse de uma estrutura equilibrada para poder operar, de um ego "normal" e constituído por nossas defesas mais íntimas. Considero perigoso intervir no ego de um sujeito, suas defesas, as formas com que este sujeito enfrenta seu embate com a vida. Não sabemos até que ponto uma estrutura pode suportar sem as suas defesas (mesmo as mais primitivas).
Certo dia, há anos, um livro cai-me sobre a cabeça, estava a remexer as prateleiras de uma livraria em Fortaleza. Olho-o curioso. Veio aquele impulso e o levei. Comecei a lê-lo uns seis meses depois. Tratava-se de "O Couro Dos Espíritos", de Bete Midlim (http://www.terceironome.com.br/couro.html). Um livro sobre tradições orais dos índios gaviões. Para mim foi um "toque transcendente" em relação à minha profissão. O que se encaixa agora, nestes escritos: quando um jovem índio começava a escutar vozes, ver onças e sereias pelos cantos, agir de forma estranha (o mesmo sofrimento de quem ingressa numa esquizofrenia, atualmente...)...O que ocorria? Vinha o Pajé, olhava o moleque e dizia: "Este é meu". Daí por diante, nosso indiozinho seria iniciado nas "ciências ocultas" deste Pajé, teria agora um novo significado para seus sintomas "psicóticos" e se tornaria outro Pajé. Estaria "curado" de sua psicose, mas vivendo o restante de seus dias numa outra dimensão. Como se a "cura" só fosse possível nesta nova dimensão de ser. É daí que tiro o parentesco de algumas "esquizofrenias" com o misticismo. Hoje não temos Pajés (temos psiquiatras... ). E todos os Pajés tinham sido meninos "estranhadores de mundo"...
Quanto aos "iluminados"... Que pensar desta categoria incerta e pouco conhecida? Sou um cético por natureza, um Místico Cético. As tentativas de compreender este mundo me fizeram desde cedo pensar nas "transcendências". Meu primeiro Mestre foi o ceticismo implícito em Krishnamurti - não o ser cético em relação a deus, mas ao que fizeram desta palavra - cético em relação ao que os humanos fizeram com o mundo, com a religião, a moral e a filosofia (especialmente a metafísica). Enquanto envelhecia, as religiões foram se transformando num comércio cada vez mais evidente (e seus crentes, nuns oportunistas divinos). Cada vez mais este mal engolia humanos (humanos cada vez mais pedinchões). A única coisa que eu podia pedir em minhas "preces" era "lucidez", e inicialmente a mim mesmo. Então foram-se as igrejas e seus crentes. Mas ficou uma só certeza: a de que podemos atingir um estado "mental" totalmente diferente, irreversivelmente diferente dos estados mentais que encontramos nas vitrines modernas. Alguns resolveram chamar isso de "iluminação". Acho um belo termo.
Ou você já nasce com tendências para o "incomum", ou você as adquire depois de uma boa sova da vida (se tiver sorte e não surtar). É assim. Divido o mesmo diagnóstico com o Professor Alsibar: "estranhofrênicos". Nascemos assim. Se vamos acertar o passo, é outra história. Não basta ter o germe disso em si. Muito trabalho árduo pela frente (até percebermos que nenhum trabalho é necessário). Um trabalho solitário e sem nenhum apoio divino, nenhum consolo religioso ou filosófico, somente a entrega para o "Aqui e o Agora". Sim, o que queremos é a coisa mais improvável de acontecer aos humanos (olha a nossa sorte...!!!...). O transcender. Apenas isso. O impossível aos egos. Os caminhos levam até o portal. Após isso, acontecemos em silêncios e segredos, plenitudes.
Os Grandes "Mestres" oportunistas tinham lá suas sementes para o "incomum". Sentiam o que sentimos, talvez tentassem como tentamos no começo. Que houve com eles? A sorte os traiu. Seus carismas juntavam multidões (e, a seguir, multidões pagantes). Por que não caminhar numa senda onde o dinheiro não falta, onde vai-se embora nossa fome e desconforto? A coisa passa a subir à cabeça. São carismáticos, então nosso instinto mais básico é tocado: Eu Sou (o ego). Os grandes "mestres" trágicos sofreram disso, foram tragados pelo caminho. E sempre o serão. Falo aí do Vaticano, de Osho, de todos aqueles citados pelo Professor Alsibar. Tinham aptidão ao incomum. Foram traídos pelo próprio ego.
Acho que muitos destes oportunistas sofriam da mesma doença que compartilho com "Seu Alsibar" e alguns poucos. Conheciam a possibilidade da transcendência. Alguns foram educados num meio propício (Osho, na Índia). Mas perderam o jogo. Continuaram escravos do ego na hora da (triste) morte.
Os Grandes Oportunistas não poderiam ser classificados em um diagnóstico pelo CID 10. Nem nós. O fato é que o embate diário de um ser com sua existência não admite diagnósticos. Algumas estruturas sim, mas não seus embates.
Quanto aos "normais", os conhecemos muito bem, pois agimos assim por algumas momentos. Quando nos aborrecemos, quando nos entediamos, quando pensamos numa possibilidade de agir desprovida de amor. Ou quando esquecemos de nosso caminho de libertação. A sorte é que podemos perceber isso. A maioria não. Adoro o termo "Mutante", de Pierre Weill. Em seu livro "Os Mutantes", Weil trabalha outro de seus conceitos originais, a "normose":
" (...) A normose pode ser definida como um conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar ou de agir, que são aprovados por consenso ou pela maioria em uma determinada sociedade e que provocam sofrimento, doença ou morte. Em outras palavras, é algo patogênico, é letal, executado sem que seus atores tenham consciência de sua natureza patológica.(...) A normose é, portanto, uma normalidade doentia". Ainda, em relação a este processo: " (...) A característica comum a todas as formas de normose é seu caráter automático e inconsciente. Podemos falar, no caso, do espírito de cordeiros. De um modo geral, os seres humanos, por preguiça e comodismo, seguem o exemplo da maioria. Pertencer à minoria é tornar-se vulnerável, expor-se à crítica. Por comodismo, as pessoas seguem e repetem o que dizem os jornais: se está impresso, deve estar certo! Quantas não aderem a uma ideologia, religião ou partido político só porque é moda ou para serem bem vistas pelos demais? Uma maneira disfarçada de manipular as opiniões e mudar os sistemas de valores é anunciar que eles são adotados pela maioria da população. Neste sentido, toda normose é uma forma de alienação. Facilita a instalação de regimes totalitários e dos sistemas dominantes. (...)".
Os "normais" seriam aqueles que vivem em função dos sonhos e dos seus traumas, empurrados muitas vezes pelo instintivo " de rebanhos", que deixaram de buscar algo maior - ou o buscam no que foi "autorizado" para normais (as igrejas, por exemplo). São afastados do "aqui - e - agora" e provavelmente não suportariam a quebra de suas defesas, seus egos. O "normal" é normal para este contexto - é o xiita que acha "normal" enforcar homossexuais e apedrejar mulheres, é o americano que apóia a pena de morte e as invasões a outros países, ou o brasileiro que elegeu um certo "Tiririca" (ou outros monstros piores ainda). É também o trabalhador honesto que ganha sua vida na maior dificuldade, sem tempo para metafísicas e filosofias. O perigo dos normais é o controle a que são submetidos por um sistema. Seguem sempre como gado aparvalhado. Comunismos. Capitalismos. Mídia. Basta ver como estamos atualmente de "planeta". Também o fato de aceitarem naturalmente certas divisões reforçadoras de egos e a serviço de sistemas de controle: as divisões raciais, por exemplo, as religiosas etc.
Muito interessante a citação de Jean - Yves Leloup ("Os Mutantes"):
" (...) A existência desenvolve-se por meio de desejos e medos. O desejo inconsciente é o desejo do Aberto, apreendido como total presença ou plenitude, denominado, em grego, pléroma. O medo inconsciente é o medo do Aberto, compreendido como total vacuidade, aniquilamento ou dissolução do ego: em grego, kénosis. (...) O ser humano transforma-se, portanto, pelo seu desejo de pléroma, vencendo o medo de kénosis. Existe em todos nós um desejo de plenitude e, ao mesmo tempo, o medo do aniquilamento. Em outras palavras, eros e thanatos, a pulsão de vida e a pulsão de morte, plenitude e aniquilamento são, portanto, dois modos de apreensão do Aberto: um positivo e outro negativo. Um como objeto de desejo e outro como objeto do medo; uma mesma realidade que é desejada e que nos amedronta... E a normose está relacionada com a pulsão de morte. É estagnação do desejo, que impede o fluxo evolutivo. (...) A resistência à kénosis pode revelar-se inicialmente como: (1) - Medo diante do Aberto, que é a normose; (2) - Medo que se transforma em ansiedade e angústia diante do Aberto, que é a neurose; (3) - Medo que se desenvolve como terror diante do Aberto, que é a psicose (...)".
" (...) A normose pode ser definida como um conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar ou de agir, que são aprovados por consenso ou pela maioria em uma determinada sociedade e que provocam sofrimento, doença ou morte. Em outras palavras, é algo patogênico, é letal, executado sem que seus atores tenham consciência de sua natureza patológica.(...) A normose é, portanto, uma normalidade doentia". Ainda, em relação a este processo: " (...) A característica comum a todas as formas de normose é seu caráter automático e inconsciente. Podemos falar, no caso, do espírito de cordeiros. De um modo geral, os seres humanos, por preguiça e comodismo, seguem o exemplo da maioria. Pertencer à minoria é tornar-se vulnerável, expor-se à crítica. Por comodismo, as pessoas seguem e repetem o que dizem os jornais: se está impresso, deve estar certo! Quantas não aderem a uma ideologia, religião ou partido político só porque é moda ou para serem bem vistas pelos demais? Uma maneira disfarçada de manipular as opiniões e mudar os sistemas de valores é anunciar que eles são adotados pela maioria da população. Neste sentido, toda normose é uma forma de alienação. Facilita a instalação de regimes totalitários e dos sistemas dominantes. (...)".
Os "normais" seriam aqueles que vivem em função dos sonhos e dos seus traumas, empurrados muitas vezes pelo instintivo " de rebanhos", que deixaram de buscar algo maior - ou o buscam no que foi "autorizado" para normais (as igrejas, por exemplo). São afastados do "aqui - e - agora" e provavelmente não suportariam a quebra de suas defesas, seus egos. O "normal" é normal para este contexto - é o xiita que acha "normal" enforcar homossexuais e apedrejar mulheres, é o americano que apóia a pena de morte e as invasões a outros países, ou o brasileiro que elegeu um certo "Tiririca" (ou outros monstros piores ainda). É também o trabalhador honesto que ganha sua vida na maior dificuldade, sem tempo para metafísicas e filosofias. O perigo dos normais é o controle a que são submetidos por um sistema. Seguem sempre como gado aparvalhado. Comunismos. Capitalismos. Mídia. Basta ver como estamos atualmente de "planeta". Também o fato de aceitarem naturalmente certas divisões reforçadoras de egos e a serviço de sistemas de controle: as divisões raciais, por exemplo, as religiosas etc.
Muito interessante a citação de Jean - Yves Leloup ("Os Mutantes"):
" (...) A existência desenvolve-se por meio de desejos e medos. O desejo inconsciente é o desejo do Aberto, apreendido como total presença ou plenitude, denominado, em grego, pléroma. O medo inconsciente é o medo do Aberto, compreendido como total vacuidade, aniquilamento ou dissolução do ego: em grego, kénosis. (...) O ser humano transforma-se, portanto, pelo seu desejo de pléroma, vencendo o medo de kénosis. Existe em todos nós um desejo de plenitude e, ao mesmo tempo, o medo do aniquilamento. Em outras palavras, eros e thanatos, a pulsão de vida e a pulsão de morte, plenitude e aniquilamento são, portanto, dois modos de apreensão do Aberto: um positivo e outro negativo. Um como objeto de desejo e outro como objeto do medo; uma mesma realidade que é desejada e que nos amedronta... E a normose está relacionada com a pulsão de morte. É estagnação do desejo, que impede o fluxo evolutivo. (...) A resistência à kénosis pode revelar-se inicialmente como: (1) - Medo diante do Aberto, que é a normose; (2) - Medo que se transforma em ansiedade e angústia diante do Aberto, que é a neurose; (3) - Medo que se desenvolve como terror diante do Aberto, que é a psicose (...)".
A "opção desejada" pelo indivíduo tem a ver com sua estrutura (incluindo a genética). Me parece que as estruturas psicóticas apresentam um maior e mais direto contato com o Aberto. Suas defesas psíquicas, ao contrário das nossas, não me parecem eficientes e sólidas a ponto de salvá-los como neuróticos normóticos. Os Pajés e místicos também apresentam este contato mais próximo com o Aberto, como os psicóticos, mas seriam "salvos" por suas defesas egóicas mais estruturadas (ou com um auxílio especial, como nos casos dos antigos Pajés).
Não estou afirmando que a cura da "esquizofrenia" reside no xamanismo, nem que o misticismo seja a realidade salvadora - mesmo porque não existe um misticismo, existem os místicos. Concordo com o Professor Alsibar no que ele aconselha aos buscadores. Ninguém deve ser seguido, nenhuma religião, nenhum "mestre". Só temos a nós mesmos, só podemos estar aqui, conosco. E somos espelhos de todo este universo - se soubermos entender isso, enxergar isso, então poderemos nos colocar em nosso exato lugar existencial: seres que começam. Que aspiram à liberdade, ao despertar. Vamos sofrer um bocado nestes embates com a vida, porque somos diferentes. Vamos "penar" mais um pouco. Mas se continuarmos sendo cada vez "menos" do que "somos", se continuarmos enxergando ao menos vultos nesta neblina envolvente, então teremos uma chance. É engraçado um Krishnamurtiano falando em tempos futuros, mas acontecemos, simplesmente isso.
Um grande abraço, Professor. Acho que somos irmãos nesta jornada. Como uns raros que nos surgem dia a dia (o cara do "desreflexivo" -http://desreflexivo.blogspot.com.br/2012/06/sombra.html - ... apesar de paulista...)... Enfim, estamos aqui para uma ajuda mútua.