terça-feira, 12 de junho de 2012

Junho, 12, 2012, Terça.

 
          Superficialmente digo que a morte pertence ao futuro, que é um fenômeno que ocorrerá num futuro. Aprofundando um pouco mais a consciência, afirmo que a morte já acontece no futuro, pois a forjo dia a dia, desde meu passado. Então ela começa a acontecer dia a dia, acontece já no futuro, no tempo. Passado e futuro começam a ter suas fronteiras menos definidas.



          Aprofundo a consciência mais ainda. Meu passado acontece agora, arrasto e atualizo agora suas marcas. Os eventos pelos quais esperei acabaram acontecendo sempre "agora", todas as configurações atualizam-se neste agora. Nisto. Neste fragmento espacial imóvel e sem tempo. Deixo de mover-me numa escala temporal retilínea para começar a perceber que tudo aconteceu, acontece e acontecerá sempre agora. Vejo-me obrigado a deixar de me mover neste estranho tempo escalar. Percebo-o "vetorial", um vetor imanente dos acontecimentos. Percebo e, junto a ele, minha consciência. Um móvel se desloca de A a B, passo a entender que um móvel atualiza-se de A em B. Tudo fica estranho mas estranhamente lógico e conhecido.

          Então estou aqui. No mesmo tempo de meu nascimento e de minha morte. Aliás, estou apenas "agora". Nem aqui nem ali. Apenas agora. Já. Desde sempre. "Teorismos"? Não, isso me soa tremendamente prático. Estou aqui e agora a escrever, ao lado de meu nascimento e minha morte, no único espaço possível para minhas ações. Importa-me então isso. Só posso agir agora. Num eterno fluxo estático, prendo-o aqui enquanto aconteço.



          Percebo então que nunca poderia ter tido um passado. Foi a pequenez de minha consciência que separou tudo em três tempos. E que jamais terei um futuro. Quando começo realmente a não poder fazer nada pelo meu suposto passado, deixo de prender-me a regiões obscuras de ação. Acreditava-as proveniente de um "passado" atuante e inevitável. Desmoronam-se grilhões de condicionamentos, um a um. E quando me vejo aqui, desacoplado de qualquer ilusão de "futuro", começo a conhecer o exato momento de agir.

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          Desejos sempre residem no tempo - "amanhãs". "Traumas residem no tempo - "passado". Vejo que estas coisas parecem existir para uma escala linear ilusória - uma régua - apenas uma régua e suas óbvias funções práticas. Como um astrolábio, por exemplo. Iludido, havia tomado o universo por este instrumento. Ou um mapa. Algo extremamente útil, um instrumento. Pelo qual tomava as cidades, as florestas, as montanhas e planícies. Posso, a partir de um mapa, orientar-me no mundo e transcender este mapa, ou posso tomar o mundo por ele. A ciência não passa de um mapa, um importante mapa que nos orienta em determinados movimentos. Um conjunto de representações necessárias. Mas não posso confundir com ela o mundo. Não devo hipertrofiá-la (como aos meus pensamentos).



          A duração de minha vida está para o tempo de um sol como o tempo de um elétron a mudar instantaneamente de órbita (sem percorrer um espaço). O macro e o microcosmo diluem nossas concepções de tempo, espaço, existência.

          "Tempos" e "espaços" são forjados por uma consciência que ainda habita mapas e astrolábios, que ainda precisa de instrumentos para se sentir atuante. Podemos simplesmente usar um computador sem por ele sermos usados?

          Meus desejos passam a ser meus "traumas", colocados numa ilusão de futuro. E nesta escala posso voltar: Meus "traumas fundamentais" são meus desejos nesta mesma escala ilusória. Como se os fosse trabalhando ao longo da vida, conduzindo-os a um "futuro" ilusório - um campo de não - ação. O mesmo quando coloco as origens de meus problemas no passado. Eles sempre estiveram aqui, atuantes num campo onde não acesso, o campo do amanhã, o campo do ontem, pedaços de uma estranha sombra onde não quero mexer, atuar. Então eles atuam por mim. Minhas fobias, tristezas, minhas fugas e repetições, padrões de desarmonia.



          Existimos simplesmente como seres escalares, colocados numa curva de passagem do nascimento para a morte, acontecendo entre estes pontos. Numa curva que se movimenta de N para M. A consciência vive esta distância e não o ponto onde realmente localiza-se. O velho cálculo integral: Integramos a "função existência" e obtemos uma soma inútil de infinitos pontos entre N e M. Deslocamos nossa consciência como se ela pudesse existir ao mesmo tempo num segmento de curva - mas a consciência é puntiforme. A consciência, em sua plenitude, existe como uma "função derivada" - ela localiza num segmento de curva seu "ponto tangente", o exato ponto onde ela existe - uma tangente - ponto de intersecção entre esta curva e uma reta que "passa" por esta curva tocando-a apenas num ponto. Como se este ponto acabasse com nossa ilusão de curva, nos deslocasse existencialmente desta percepção de curva. Isso é um realinhamento.



          Uma consciência sem a ilusão de tempo funcionaria para além do segmento de curva N-M. Despertaria em seu exato momento, seu "agora". Exatamente como na metáfora dos antigos - a "roda das ilusões", Maya. A vida atual como um segmento desta circunferência, a consciência movimentando-se presa a ela enquanto não se coloca no ponto tangente, no "agora" de certo momento. A reta tangente localizando o único ponto de escapatória daquela curva, indicando exatamente aonde esta transcendência é possível. Fim da cadeia de "causas e efeitos".



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          Habitar o agora, realinhar a consciência em seu único eixo possível de ação - ação autêntica. Trazer a percepção para este ponto totalmente fora de meus tempos internos, "psicológicos". Só posso isso "agora". Sem objetivos (sonhos que nos afastam deste agora, traumas que nos deslocam, em essência). Sem julgamentos. Uma ação, a única possível, nenhum objetivo ou escolha. Isso como fato.

                                                                           * * *

          Conturbado doze de junho - 12.06.2012. Terminou há uma hora e vinte minutos. Os ventos por aqui fazem-se mais fortes e já quase esfria um pouco à noite. As ondas parecem explodir próximas ao portão. Completo um ano de existência nesta casa por estes dias. A pequena gata Shiva brinca em meu colo enquanto escrevo asneiras destas teclas. Um estranho silenciar começa a tomar conta deste momento, diluindo cansaços, apreensões, solidões, deixando-me simplesmente aqui neste lugar. Esquisito monastério de um monge só, distante exílio de nem sei mais o quê. Deixo que os ventos soprem esta complexa teia de sentimentos a dissolver, fluir...

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