sábado, 16 de junho de 2012

Espaço

          "(...) Agora vamos falar do espaço. porque meditação é isso - espaço. Não temos espaço no cérebro. Há espaço entre dois pensamentos, mas ele ainda se encontra na esfera do pensamento.Então, o que é espaço? O espaço contêm o tempo? Ou este inclui todo o espaço? Falamos sobre o tempo. Se o espaço contém o tempo, então não é espaço. Então ele está circunscrito, limitado. Portanto, pode o cérebro estar livre do tempo?
          (...) O tempo é movimento, é uma série de incidentes. O pensamento também é uma série de movimentos. Portanto, tempo é pensamento(...)".  (J. Krishnamurti, O Futuro É Agora, Cultrix, 1985)


                                                                              *  *  *



          Se me pergunto "o que é o tempo?", com que "material" deverei responder? Eu só posso responder isso com aquilo que me assola dia a dia, com o que me é comum. Não tenho acesso a um mundo mas o construo com suas representações. Então, falar de tempo e de espaço, conceitos que criei (criamos), exige que se responda com este próprio material, o "material das representações".

          Como processo a palavra "tempo", seu conceito? Como é o "tempo - para - mim"?. O que é o "espaço - para - mim"? A "vida- para - mim"? Só deste ponto de vista é que estas respostas teriam algum valor, algum efeito prático para mim. O tempo real é o tempo do meu dia - a - dia.

          Assimilo parte do mundo em termos de representações e seus movimentos, lugares. Assim o construo  com pensamentos. Representações dispostas num movimento, associadas e vividas num movimento. O movimento como "pano de fundo" para tudo. Fluxo. Pensamentos não são grandezas estáticas e nem limitam-se a uma ou duas categorias. Imagens, afetos, sensações, uma série de coisas disparam com este movimento. O pensamento me parece a "dança das representações" - dança como movimento, nosso "tempo". O pensamento poderia ser o "tempo das representações". No mundo "externo", o tempo de meu dia é construído pelos fatos que ocorrem, caminham através de mim: meu acordar, meu nascer do sol, meu café, meu trabalho. E aqueles ponteiros loucos do relógio que ora correm, ora arrastam-se... enfim. os ponteiros do relógio nunca correm iguais para mim - há um aspecto internalizado deste "tempo dos relógios" e este tempo me é essencial, existe para mim. Tempo recheado de afetos, imagens, interligando representações das mais diversas ordens. Isto é meu "tempo", o tempo interno, único tempo a existir. Sim, eu não acredito no tempo dos relógios, ele não passa de movimento.

          Krishnamurti definiu o tempo como pensamento, uma operação brilhante, essencialmente pragmática, perfeita. Sim! Pensamento é movimento, nosso tempo é por ele significado, percebido... Existe o movimento e a percepção deste movimento se chama "tempo". Nossos movimentos internos são os pensamentos. Só podemos conceber um "tempo" baseados nos pensamentos, seus fluxos.

          Tentar explicar o tempo em termos físicos ou biológicos me parece como procurar entender o que se expõe agora neste blog através das peças deste computador. Procurar um "Krishnamurti" em alguma parte do HD, acreditar que noutra memória existe o senhor "Lobo da Caatinga" a farofar com as patafísicas... Como, no face, tentar entender o fim de um casamento (pistas de traição virtual) ou o começo de um relacionamento através da memória deste micro. Tolice. O rio sempre vai além de seu leito, do que o suporta e o traduz.

          "Não temos tempo para isso" - tempo para uma ação, o tempo agora como um espaço onde a ação - um movimento - se desenrola. Interessante. O espaço começa agora a surgir no tempo. Espaço para a ação, como um "leito do movimento". Mas não é assim que processamos o desenrolar de uma ação. Como um fenômeno, ela ocorre. Passa. Movimento. Num "espaço percepcional" que pôde contê-la para mim. Se a percebi como um todo, não preenchi seu "espaço" com meus pensamentos, imagens, julgamentos, não a deturpei. Houve um "espaço" ali em seu desenrolar, livre de pensamentos, livre do tempo. apenas o fenômeno sendo traduzido por meu "campo percepcional", e só. O "espaço Krishnamurtiano".

          O "espaço" nos remeteria àquele estado onde o pensamento cala-se por si, deixa de drenar energias, deixa de hipertrofiar-se. À própria "meditação". Ao estado prático de desvencilhamento desta cadeia insana de tempo e pensamento. O que surgiria com a normalização do tempo, do pensamento? A que estados este "espaço" nos remeteria? Há só uma forma de responder. Vivendo isso.

          Minha "mente" configura um fluxo (como todas as coisas vivas, tudo o que existe). Seus movimentos resumem-se à insuportável dança dos pensamentos, uma cacofonia insuportável, tagarelices inúteis, um curioso e patológico jogo de desperdício de energia. Porque aprendemos assim. Não existia a disciplina de "espaço" na escola, na faculdade, tínhamos como modelos seres que também eram "normóticos" (Pierre Weil). E porque interessa a todo este sistema que seu gado exista assim.

          Estaríamos num "uso incorreto" desta "mente", ou isso seria esta uma etapa evolutiva "precursora" para um real domínio do cérebro? Começo a ver a coisa pelos seus resultados. O que fizemos uns aos outros nestes milhares de anos, o que fizemos ao planeta... O que ainda fazemos conosco.

"Estamos todos no trem errado, na trilha errada, indo na direção errada." (U. Gopala krishnamurti)




  
          Não participo de nenhuma "teoria conspiratória" ou coisa que o valha. Não duvido, podem ser os americanos, podem ser os Reptilianos, os Sábios de Sião, pode ser Lúcifer ou o Vaticano, Walt Disney. Não seria útil identificá-los agora. Porque respiro a atmosfera de escravo. Estou embebido do mais profundo condicionamento, definiram meu "tempo" e meu "espaço", iludiram meus sentidos mentais, hipertrofiando-os.  Porque durmo e acordo acreditando ser um "humano", um especialista, um amante, um pai, um filho - encheram-me de papéis que não me esgotam em verdades. Como as carnes que eles impregnam de sofrimentos e drogas, seus cereais com pesticidas, e ainda me mandam tomar coca - cola. Dominam assim meu corpo, destroem-no.

          Uma sociedade que passa a ser cada vez mais o espelho daquilo que sofremos "por dentro". Suas "melhoras" ocorrem porque beneficiam pequenos grupos e custam o sangue do mundo. Escravos sugando escravos, espécie de percevejos canibais. Não sou tolo o bastante para investir esperanças nisso, neste caos que apodrece dia a dia, corroendo seus próprios alicerces. Penso em "inteligências" permitindo e instigando este jogo suicida, atuando na cegueira e na ambição desmedida de seus servos.

          Tudo isso me parece começar exatamente ali onde o "espaço" foi substituído pelo "tempo", onde fomos afastados de alguma coisa profunda e sagrada, de nosso silêncio... Do que deveríamos ter assimilado com todo o aparato psíquico que trouxemos (e falhamos). Inútil agora procurar culpados (mesmo em nós mesmos). U. Gopalla Krishnamurti afirmava que este estado de "morte do pensamento" nada tinha a ver com "iluminações" ou coisas do gênero, tratava-se de uma mudança biológica. Bebera da mesma fonte que seu predecessor (J. Krishnamurti) e trouxe a sua versão da coisa. Talvez não estivesse errado. Vários podem ser os aspectos, cada despertar pode trazer algo diferente ao mundo.

          O fato é que ainda "tateamos" ao redor desta metafísica possível. Sentimos às vezes um certo cheiro de liberdade que surge no vento, tentamos não acreditar naquilo que nos mostram, mas nos sentimos em "mutação". Creio que desde sempre. Isso nos diferenciou sempre das pessoas, não que fôssemos melhores, mais inteligentes - apenas éramos diferentes. Não compartilhamos nunca as mesmas cartilhas. Ainda lutamos, sim, mas não é com o mundo. Nosso inimigo, expulso do mundo, configura-se agora em nosso interior. Nossos vícios de pensamentos, nossas dores e atitudes desconexas, tudo aquilo que não ousaremos corrigir.

       
       

       

       

     

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