terça-feira, 19 de junho de 2012

Atuais Dias Antigos


          Somente ao por do sol na velha praça é que percebi o dia. Como se tudo intimamente calasse por instantes e, a partir dali, abrisse o espaço da percepção. Subitamente estava naquele por de sol, um céu sem nuvens e as cores do arco - íris invadindo lentamente a abóboda celeste, uma dando lugar a outra. Como se uma "alma" tivesse retornado ao seu lugar. 

          Das pouquíssimas noites onde foram mais de cinco horas de sono, talvez sete. Densa, não me lembro dos sonhos. Acordei exausto, atrasando-me um pouco para o trabalho. Típico dia "sugado". Aquela tensão implícita nas coisas, uma falta de "presença", uma vazio de alma -  como se algo tivesse sido subtraído, roubado até o por do sol. Percebo a distância de mim mesmo quando certa "ansiedade basal" me impede de perceber o momento, de estar tranquilo naquele e para aquele momento. Uma estranha segunda-feira que uns poucos amigos também sentiram, acentuando principalmente o "cansaço". 

          A noite de ontem foi mais tranquila, presente. Poucas horas de sono, um perceber diferente do corpo em silêncio na cama, imóvel, por horas. O dia passou inteiro, nuvens ao por do sol, um colorido interessante no jogo entre estas e o azul. Na volta para casa compro uns tomates, ração para felinos, cenouras e um pedaço de melancia. Cozinhar para o jantar e o almoço de amanhã. 

          Interessante esta sensação de "subtração de alma", esta impossibilidade de perceber-se aqui, tranquilo, na situação. Bagunças e certa ansiedade basal na "casa da alma" quando esta se ausenta. Sensação de incompletude para o momento. Não consigo perceber esta ausência e continuo numa espécie de "piloto automático". Triste por estar longe daquilo que mais prezo neste jogo de vivências, a "consciência da consciência", ou "Presença". Pois é deste estado que surgem conclusões, inspirações, e com alguma sorte, Paz. Lembro-me de outros dias semelhantes (mas não faz muito tempo que voltei a ser sensível com os "dias", de saber-se um espelho do que vem de fora, do mundo). Neste foi interessante o momento da volta, ao por do sol, e de ter passado horas ausente. Acredito que muitos passaram por isso nesta segunda, alguns poucos perceberam e outros em menor número conseguiram dar um retorno a si destes momentos. Sentia muito isso há anos, quando acordava nas frequentes ressacas, o "tempo dos pifões". Mas não sabia o que era esta presença, este estar aqui. 

                                                                                * * * 

          Conheço esta música há alguns anos. Sempre que a escuto a mesma sensação. Uma nostalgia antiga, profunda, de tempos não mais alcançados por qualquer forma de memória, algo que ainda vibra de profundezas imensas. Tudo nela me soa como antigo. Distante. Como a atmosfera de um corpo oculto, talvez nem mais presente, o brilho de uma estrela distante que já não existe mais.

                                                                                * * * 

          Noite quente e quase sem ventos. Apenas o barulho das ondas e os mosquitos. Procurando estar neste momento, em mais um dia nesta casa, o último 19 de junho de 2012. Estranho estar condicionado ao tempo, perceber este agora como contido num "tempo" fundado pelo calendário, pelo relógio. Estava aqui há um ano atrás, não é o mesmo corpo, a mesma mesa, apenas o ato de perceber parece não ter mudado em essência. Continuo tecendo percepções, em outras qualidades, movimentos, mas o mesmo ato em essência. O único "tempo" que tenho é esta sucessão de pensamentos desde nem sei que momento ,esta corrente que se arrastou até aqui, jogando com o mundo. Seríamos da mesma substância, da mesma matéria? Não vejo um passado aqui em minha frente, não posso tocá-lo, mas um passado certamente influencia meus pensamentos, seus movimentos, a maneira como cozinhei este arroz com tomates e cebolas, o julgamento que fiz deste "rango" improvisado. Está aqui e nem o sinto. Porque simplesmente ele não existe "no passado", está neste agora (atualizações), existe "como passado". Sendo entretanto este agora. Porque está oculto em minha trama de desejos e medos, ganha a categoria de entidade distinta de mim (que sou o agora), funcionando como se fosse outra coisa, algo diferente de mim. Reduzo-me a um "momentum" dinâmico, uma presença pura e subdividida pela matéria dos sonhos, dos medos. Percepções desalinhadas, isso. 

          Desejava estar agora em tantos lugares, pessoas, cidades, imaginava o que faria com esta casa quando chegasse, escrever, dormir, desenhar com a pena, talvez ir à praia. Ou ficar mais algumas horas na praça, anestesiando-me com cervejas e escritos. Acampando em minhas pedras em Quixadá, devorando sushis na capital, com família em Porto Alegre... ou o coração no Rio, ou no passado...

          Mas estamos aqui. Distantes. E isso é tudo. talvez por isso estejamos aqui. Talvez em nada adiantasse estar nestes outros lugares do desejo se não tivéssemos o que estamos tendo aqui, se não vivêssemos o que vivemos aqui. Agora nos bastamos. 

                                                                                  * * * 



          

          

          
          




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