sexta-feira, 22 de março de 2013

O Rodeio Das Noites


Março, 13, 2013

               17h 30min. Dias cheios, quentes, três dias para o fim deste "inferno zodiacal". Quarenta e seis anos em breve e ainda preso a uma rotina iniciada antes do nascimento. Preso a uma dimensão existencial compartilhada pela imensa maioria dos humanos. Do que quero fugir? Que estranhos caminhos me deixam desconfortável, do que desejo saltar?


A cidade anoitece, seus postes acendem um a um, o peso deste dia dilui-se aos poucos enquanto transcrevo este momento no papel. O azul claro da pequena igreja funde-se ao azul do céu que nos engloba, a alma despertando de seu sono denso de luz e calor. Escrevo quase tranquilo nesta noite que insiste em começar, deixando meus inoportunos fantasmas nesta estranha discussão de sentimentos, eles só sabem falar e pesar. Sem a tolice de esperar agora futuros ou lamentar passados, estar aqui neste ponto que há muito persigo, saber-me essencialmente adimensional.

               Na hora do almoço que não almocei pensava sobre dimensões. Dissecá-las. Senti-las. Mas vi apenas percepções. Nada para fora deste “mim” essencialmente vazio. Apenas um punhado de neurônios que adoram alucinar o universo em dimensões, este puro acontecer que não cabe em palavras, teorias, metafísicas, religiões, pensamentos. Porque isso é tão tênue, tão vazio que não possui a matéria das letras e dos pensamentos. Isso, apenas isso, sem ser, indescritível.

               Não há do que sair. O caminho é apenas uma forma de condicionar esta consciência. Seus trilhos, dormentes que ela mesma coloca dia a dia sob seus pés. Não há nenhum caminho. Trilho de um só dormente, diariamente colocado sob estes pés, condicionando-os, fazendo-os pensar que marcham há anos sobre uma longa estrada de ferro. Sim, a ilusão dos trilhos. Apenas uma brecha de percepção neste labirinto forjado por mim, apenas um instante de pleno olhar, apenas o findar do tempo neste último instante, nesta expiração...

               18h02min. Não quero escrever sobre dores e corações perdidos, ruídos que agora parecem não importar. Há um gosto amargo de fim, há o estar só, uma casa que ainda marca presença e intensidade em suas paredes. Estupidez prender-se a memórias, todos somos ventos e livres afinal. Leveza é passar sem passados, mesmo que tristes, perdidos, sempre um verbo sem conjugação alguma. Alívio, como em nenhum outro momento denso já trilhado. Inferno zodiacal... Disse há décadas em meu Rio militar que certas sementes só germinam em infernos.


Um magro felino que ainda não conhecia vem para esta cadeira roçando a perna, mourisco e branco. Senta-se ao lado de minha bota e observa a cidade passando pela noite. Distrai-se um pouco e volta para o meio da praça. Há uma qualidade estranha de silêncio por aqui que nos atraiu. Invisível às poucas pessoas que passam por aqui, um senhor sem tempo escreve à luz de postes sobre a mesa. Sua noite avança rapidamente. Os ventos começam, novamente, dentro.

Recordo-me de um livro sobre “causos” e lendas de minha terra, da minha juventude. Penso no quanto seu autor foi feliz na escolha do título – “O Rodeio dos Ventos”. Invejo-o neste momento.

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