0h 43min.
Volto à velha prisão. Toco em suas paredes frias e
úmidas, paredes de rotinas e pensamentos tão sólidos como pude acreditar. De
alguma forma eu fui seu principal mestre de obras. Levantei-a com cada pedra
que recebia ao redor de um sopro, de um nada pulsante, como se emparedasse a
própria vida que passava por mim. Como se emparedasse o vento com tijolos de
ilusões, com os cimentos do medo.
Acreditei estar aqui dentro todo este tempo.
Sim, havia certo conforto neste estar aqui, com estas toneladas vazias
esmagando o peito em angústia, havia este esconder-se com cada pequeno
movimento denso e possível. Estava aqui enquanto existia, enquanto conjugava
este verbo como um verbo transitivo direto (e indireto). Mesmo enxergando
apenas a parede, sua umidade e seu frio, alias, meus. Apenas meus.
Por que os antigos lamentos? Condenado a quarenta e cinco
anos em regime integral, sem direito a visitas ou saídas, ignorando o estreito
pátio redondo ao sol onde cadáveres cegos rodam os seus dias escuros, que outro
juiz me condenou senão o próprio mestre de obras encarcerado pela própria
colher de pedreiro, seus mesmos tijolos cozidos pelo pensamento? Não, os
pensamentos não eram meus, tinha apenas a argamassa, a liga.
Por que os antigos lamentos? O mundo não consistia naquela
luz que mergulhava pelas estreitas frestas da parede, nem as trevas que a
cercavam e eu sabia disso. Apenas tinha pena daquela densidade que se sonhava
viva entre os tijolos escuros e a umidade fria das ilusões.
Acabo passando a vida a conhecer sonhos muito mais profundos que os meus. Densidades mais escuras e tristes do que esta que escreve agora.
Prisões mais úmidas e torturadas. Paredes tenebrosas e bem
mais cultivadas que as que as que dispunha. Eles acreditavam e acreditam todo o
tempo, e o fiz apenas por quarenta e cinco anos. E desde antes da sentença eu
já duvidava de toda a corte (e de mim mesmo, o mestre-de-obras, o carcerário, o
juiz, aquele que em sonhos permitiu os tijolos).
Os passos ainda são tímidos sobre a terra molhada. Mas
passam, voam sobre a lama, leves, consistem cada vez menos destas velhas botas
a se desfazerem. Olho para trás num relance e a velha colônia prisional já
acendeu suas luzes. Escuto os lamentos de seus habitantes, lamentos que me
seguirão ainda por um bom tempo. Por muitas noites. Afinal, ainda escolhem.
Para eles devo ter sido um covarde. Não aguentei aquele teatro macabro, aquela
insanidade emparedada, seus tijolos brutais. Não comunguei isso que eles
chamavam de vida. Suas bíblias, suas cartilhas, oficinas e pátios ao sol. A
sopa da noite com pães mofados, pães humanos. Não, eu não suportaria mais uma
noite. Para eles estou morto agora, “inexistindo”. Sempre soube disso.
É de arrepiar!!!!
ResponderExcluirO lado negro da realidade... Fazer????
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