sexta-feira, 22 de março de 2013

Prisões


0h 43min.

 Volto à velha prisão. Toco em suas paredes frias e úmidas, paredes de rotinas e pensamentos tão sólidos como pude acreditar. De alguma forma eu fui seu principal mestre de obras. Levantei-a com cada pedra que recebia ao redor de um sopro, de um nada pulsante, como se emparedasse a própria vida que passava por mim. Como se emparedasse o vento com tijolos de ilusões, com os cimentos do medo. 


Acreditei estar aqui dentro todo este tempo. Sim, havia certo conforto neste estar aqui, com estas toneladas vazias esmagando o peito em angústia, havia este esconder-se com cada pequeno movimento denso e possível. Estava aqui enquanto existia, enquanto conjugava este verbo como um verbo transitivo direto (e indireto). Mesmo enxergando apenas a parede, sua umidade e seu frio, alias, meus. Apenas meus.

Por que os antigos lamentos? Condenado a quarenta e cinco anos em regime integral, sem direito a visitas ou saídas, ignorando o estreito pátio redondo ao sol onde cadáveres cegos rodam os seus dias escuros, que outro juiz me condenou senão o próprio mestre de obras encarcerado pela própria colher de pedreiro, seus mesmos tijolos cozidos pelo pensamento? Não, os pensamentos não eram meus, tinha apenas a argamassa, a liga.


Por que os antigos lamentos? O mundo não consistia naquela luz que mergulhava pelas estreitas frestas da parede, nem as trevas que a cercavam e eu sabia disso. Apenas tinha pena daquela densidade que se sonhava viva entre os tijolos escuros e a umidade fria das ilusões.

Acabo passando a vida a conhecer sonhos muito mais profundos que os meus. Densidades mais escuras e tristes do que esta que escreve agora. Prisões mais úmidas e torturadas. Paredes tenebrosas e bem mais cultivadas que as que as que dispunha. Eles acreditavam e acreditam todo o tempo, e o fiz apenas por quarenta e cinco anos. E desde antes da sentença eu já duvidava de toda a corte (e de mim mesmo, o mestre-de-obras, o carcerário, o juiz, aquele que em sonhos permitiu os tijolos).

Os passos ainda são tímidos sobre a terra molhada. Mas passam, voam sobre a lama, leves, consistem cada vez menos destas velhas botas a se desfazerem. Olho para trás num relance e a velha colônia prisional já acendeu suas luzes. Escuto os lamentos de seus habitantes, lamentos que me seguirão ainda por um bom tempo. Por muitas noites. Afinal, ainda escolhem. Para eles devo ter sido um covarde. Não aguentei aquele teatro macabro, aquela insanidade emparedada, seus tijolos brutais. Não comunguei isso que eles chamavam de vida. Suas bíblias, suas cartilhas, oficinas e pátios ao sol. A sopa da noite com pães mofados, pães humanos. Não, eu não suportaria mais uma noite. Para eles estou morto agora, “inexistindo”. Sempre soube disso. 

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