segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Zumbis I

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          Cozinho lentilhas por estas terras e mesmo assim é como se estivesse a esperar a morte. Nem as fotos lunares, nem os momentos de escrita. Não consegui tornar-me um imortal domesticado. Então acordamos com um dia a menos. O Tempo Da Morte. Interno... 
          
           Contemplar um por de sol com lentes mortais, sentir o gosto triste mas intenso do ocaso, o sempre último ocaso, saber-se de alguma forma vivo - regido pela morte e condenado a nunca poder vê-la. Sentir o quanto os dias são escorregadios e incertos... Não sei se isso é realmente viver. Mas o que um cético das cousas humanas pode fazer? 


          Não trouxe na bagagem bíblias, evangelhos, alfarrábios estúpidos de auto - ajuda e coisas do gênero. Nenhum consolo. Nem esperança. Que existam deuses e fadas, o que quer que exista está condenado à minha mesma prisão passageira. Então somos momentos. 

          Sou um  momento que agora escreve e fotografa, que convive com outros momentos, vetores (que sempre movem e não existem... Talvez sejamos quase abstrações). Mas a desgraça vem quando julgamos. A "coisa" desenrola-se diante de nós sem pedir crença ou licença. O medo me reduz a fantasia e domestica, castra. Apenas aquele "é assim". Que nenhum livro segura, nenhuma religião desvenda, crenças. 

          Um momento que cozinhou lentilhas ontem. Fato. 


          Enxergar o abismo, ter consciência deste abismo, viver-se do tempo da morte, selvagem, não, não recomendo. Tentar atingir a virtualidade deste mundo de fantasias, sentir o mundo da pele (e não de condicionamentos). Não recomendo. 

          Sou apenas um caçador de momentos e este tipo de caçador não pode alimentar-se de esperanças vazias ou fantasias. E tudo o que parece fazer algum sentido tende-me a levar mais para fora desta prisão insana. Como se a maior ânsia fosse o libertar-se de tudo isso, trazendo à tona pequenos pedaços e fragmentos de certas doutrinas antigas. Pistas soltas que me parecem claras. Pois me faz sentido o modelo de domesticação de humanos, das correntes de condicionamentos e o caminho da destruição plena que traçamos. Basta olhar como e para quê se movem as pessoas, o que fazem para não enxergar, no que resultou para a natureza nossos movimentos. Basta sentir nas músicas apreciadas em caixas estúpidas nos rabos motorizados de alguns idiotas. O tal "sonho nefasto" em que se encontram estes estranhos zumbis. Os "estatutos da humanidade" foram forjados sobre uma compreensão preconceituosa e utilitarista de nosso papel existencial neste mundo. Visões arcaicas veiculadas por religiões e um certo "senso prático". A hipertrofia de um órgão somente (entre as orelhas) que me faz questionar se todos o deveriam possuir. O problema é que vai ficando um mundo desagradável e perigoso. 


          Talvez uma questão de escolha. Pender-se para o lado da alienação, domesticar-se, simplesmente deixar de ver o que há por trás do sol. Seguir o que a quase totalidade das pessoas segue, tomar-se por humano e superior. Mas seria preciso sufocar esta náusea que ataca quando penso neste caminho. Nunca fui muito bom em suportar náuseas. 

           



          

    

          
          

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