domingo, 29 de janeiro de 2012



    • 22.05.008
      “Dias difíceis pela frente. Apenas colhendo aquilo que plantei. “Auto-sabotagem” e talvez outras necessidades nem tão evidentes. Quanto ao relacionamento, sem esperanças. Mudaram os ventos, perderam-se as velhas rotas, foram-se os portos. Erguem-se as velas para mais uma viagem rumo a mares desconhecidos.
      Encontro-me aqui, diante de uma separação (que, em última análise, busquei). Nada posso fazer. Encontro-me só. Há quanto tempo isso não ocorria? Espanto-me com minha presença caótica, imatura, agressiva. Estranho animal acuado e ferido, espécie de fera selvagem acossada em sua cela, seu olhar é agora mais dor que raiva. Olha perplexo um mundo estranho e frio à sua frente, olha a ferida (mesma ferida de sempre) que agora sangra. Olha o circo que o prende ao mesmo tempo perplexo e apático. Belo encontro. Angustiante. Causa-me dó às vezes. Este encontro será o trabalho. Começamos aqui. Escreveremos daqui. Nenhuma idéia clara do que possa resultar disso – luz, suicídio,não sei. Entro na minúscula jaula apreensivo. Este animal velho e ferido pode fazer-me em pedaços.”

    • 23.05.08
      “I. Coração que por vezes acalma e aceita. Sai um pouco daquela atmosfera opressiva em que se colocou, descansa um pouco. A quase plena sensação de estar diante do vazio e do incerto, de não temer o desconhecido que se revela à frente. De quase estar bem próximo de si.
      Tento contemplar isso como a um por de sol. Observo e sinto pensamentos que se aproximam e vão. Espécie de trégua, acho. Ainda há a dor, certa anestesia artificial, mas trégua.
      Noite que vai estrelada e quase agradável, nenhum desespero claro ou compulsão para beber. Melhor manter o coração longe de lembranças e regiões de autopiedade.
      II. Penso nela. O que estaria fazendo, pensando? Penso na proximidade do morar só, com todo o caos e os fantasmas... Suportaremos? Penso nos novos amores e sexos, mentiras, impulsos, carinhos e carícias... Penso no preparar o arroz à noite na pequena cozinha, o .cuidado que preciso dedicar a mim. Um apartamento pequeno com a representação material de tudo o que restou dos embates com o tempo. Uma extensão em pedras, estátuas e livros, de minha alma viajada. Anseio de um reencontro fatal comigo mesmo.
      Talvez partes do mesmo Rio – Hotel, da Ilha das Enxadas ou das dezenas de moquifos ordinários por onde pensei e dormi.
      Mas quem trilhou estas sendas de caos e confusão, quem, senão a ilusão de um existir e consistir há muito descartados?
      Não, eu não vou juntar cacos para me deprimir agora. Tenho um encontro com este nada avassalador e desesperado que me aguarda há muito... Duelo de onde não sairão vencedores. Sinto ultimamente tudo tão sério neste exílio insano, é estranho...
      Escorpião surge agora nos céus. É uma coluna vertebral com garras e veneno, é Kundalini, é duelo de morte”


    • (Te-diarium Inexistencialista: 23/o6/08)

      Vontade de escrever... Escrever por escrever... Marcar o papel com símbolos perdidos, garrafas de mensagens num alto-mar distante. Transformar o papel em uma expressão ínfima e perdida da alma, um fragmento vivo e distorcido, excêntrico até. Mas vivo. A alma parece constituída por símbolos; símbolos químicos, elétricos, afetivos, sociais, configurações. O que escrevo é parte desta, o que recordam de mim, as marcas que deixei... Símbolos que elevam ao infinito, aos poucos, as manifestações de um vazio por si só. A existência percebida traduz-se então por configurações.

    • A pequena Basteth sobe na cama e assalta uns cilindros de massa integral que acabo de preparar com shoyu, ervilhas e peixe. Nosso grau de intimidade cresceu e acho que ela me tem como alguém da família (ou coisa parecida para os gatos). O fez para agradar-me, pois estão horríveis (mas serão meu desjejum pela manha). Como se tivéssemos apenas um ao outro nestes dias. Morava na rua, nas redondezas. Minha ex a trouxe de Fortaleza há meses atrás, ela fugiu de nossa casa e veio estranhamente parar nesta rua aonde vim morar depois. Suas patas traseiras são um tanto espásticas e comprometem o equilíbrio. Uma área rala em pelos no abdome leva a crer em um atropelamento. Tem um olhar profundo e meigo, agitado por vezes. Buscam-me. Coisas que a nossa vã zoologia não explica. Dorme agora como se dona da cama. Suporta curiosa a música, os incensos, a solidão que por vezes chega, algumas insônias, certos escritos idiotas e todo o restante do quarto. Que configurações a trouxeram a mim, quais significados ocultos, que implicações, perguntas que me surgem às vezes e perdem-se no dia a dia. Estamos aqui, ao meio de todo este universo negro como seus pelos. O único cantinho do Todo reservado a estes dois mamíferos excêntricos. Incontestável realidade a mover-nos, e só. Enquanto fragmentos isolados de meu cérebro ainda buscam rastros de sentidos, Bastet dorme agora. O turbilhão de coisas que despenca destes mesmos fragmentos como anseios, memórias, perguntas e angustias, merda pura em essência, nada abala seu sono. Bastet buscou meus pés antes de fechar os olhos e foi-se, como sempre faz.
      Pouco mais consigo escrever. Esboço de sono em mais uma madrugada engolida, embora idéias fervilhem ainda. Haverá tempo para escrever e é melhor não ocupar o resto de noite com pensamentos sórdidos e inúteis. Acaricio sua cabeça enquanto as garras puxam esta mão para um mundo denso e sem sonhos

    •                                                                                  * * *


      (Te-diarium Inexistencialista: 24/06/08)

    • “é sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar”

    • Ontem terminamos de escrever por volta das três e pouco. Bastet dormiu em minha cama. Seu olhar parecia mais profundo, estava mais próxima. O dia foi denso, pesado, algo no ar destoante e abafado, estranho. Suportei mecanicamente os atendimentos, as pessoas, as ruas e a mim mesmo. Rotinas anormalmente monótonas e uma vontade mal disfarçada de estar fora de tudo, longe, no quarto.

    • Chego a pouco em casa, pouco mais de oito da noite. Seu corpo estava ao pé de uma árvore próxima. Rígido, frio, quase intacto, as formigas o cercavam. Apenas a cabeça atingida e um olho para fora, ressecado, sem vida e fitando o nada (os mesmos olhos que me buscavam ontem a alma, verdes). Atordoado, percebo-me só. O corpo de minha companheira negra sem vida, imprevisível desfecho de uma união mística. Só e minhas lembranças, meus negros pensamentos, minhas perguntas inúteis dissolvendo-se no vácuo. Os olhos que me buscavam agora secos e sem vida, fora da orbita, sua expressão não era de sofrimento (estava abaixo de um carro quando este saiu, deve ter sido súbito e sem tempo para a dor, ao contrario de seu primeiro atropelamento... como teria sobrevivido?).

    • Há um vazio insuportável, incompreensível, dolorido, denso, uma dor surda e intensa, vácuo de perguntas que não serão respondidas tão cedo. Bastet... Bastet... Fica difícil continuar escrevendo agora, desconheço de quem é este choro convulsivo, quem chama pelo seu nome, quem ainda tenta escrever... Fica difícil lembrar, perguntar ao vazio pela sagrada presença que se foi... Continuar existindo perdido...
      Bastet chegou a mim em 29 de maio deste ano, mesmo dia em que mudei para cá.

    •                                                                                 * * *

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