sábado, 28 de janeiro de 2012

Esquinas


               "(...) estranhos (des-)caminhos que passam agora.Ventos silenciosos que nada revelam e não há nenhuma luz, nenhum farol na praia. Como se qualquer pista, qualquer sinal, qualquer certeza fosse fatal com seu peso. Cargas para um naufrágio. O rio-sem-caminhos, a estrada sem chão, os pés descalsos. O doloroso despir-se na noite dos tempos. Apegos que criaram pele. fragmentos perdidos de sonhos e certezas. E cada prisioneiro em seu patíbulo com as roupas que criaram pele.

               A própria metáfora da existência, de tudo aquilo que se manifesta por um tempo, de tudo aquilo que sempre se vai. Universo selvagem que arrasta homens e deuses, sem tempo para ser cultuado, sem altares. Apenas o corte de um instante que nos foi arrancado. 

               A lâmina mais cortante e que não tem fio,atravessa muito além da carne e da alma. A espera mais insana. O grito mais brutal e silencioso. Várias faces da mesma prisão. 

               Apenas este instante em que ocupo com hálito, carne e sonho... E me salvaria de toda esta dor surda. Deste corredor estreito e sem saída. A velha casa é ocupada por fantasmas que vagam presos às etéreas paredes. Alimentam-se de minha ânsia e minha cegueira. Por este úmido labirinto de ventos. Foram arrancados do mundo enquanto me acreditava vivo. Rondam ainda confusos parasitando meus movimentos em falso. Tento deitar a mente neste vento, mas ela ainda pesa. Tento. Movimentos fatais numa teia. Vento. (...)

               (...) Leveza? Nada posso fazer agora enquanto tudo se desmancha em movimentos. Este agir inútil que me assola, esta busca de sentidos onde os sentidos não habitam, talvez o movimento não precise de sentidos. Uma consciência que escraviza fibras nervosas e fiapos de carne para mover-se, e que destas fibras e fiapos exala, o que pode saber?

               (...) Saber-se findo e iniciado nesta finitude, tornando-se completamente alheio à densidade humana. Renascendo ali onde todos os outros enxergam a morte, bastar-se aqui, agora, estar aqui e em lugar algum. O centro que joga para fora...

               (...) Quem pode dizer o que acontece com a alma em seu deserto na "noite da alma?"... Quem de lá já voltou? Tenho uma alma, um deserto e uma noite para desfazer no vento. Um longo caminho para destruir em solidão, e fantasmas para devolver à luz. Tanto a não fazer, e o tempo é tão pouco. Tanto a não querer que me faltam forças. E regressar para o nada de um inferno tão profundo e sem escadas... Contar com uma sorte que arrasta muda, surda, insana, que sempre traz a Casa dos Ventos...

               Leveza. O tempo demolido com as paredes da casa, queima-se o teto e há paz além de toda a fumaça. Sossego de quem não fez nada - ou já desfez quase tudo. Vida que voltará amanhã à sua rotina, um autômato mais vazio passará pelo dia e sedento da noite, mas tranquilo. As ruas estarão lá onde foram deixadas com suas poças e casas, os postes e bares, mas já noutra cidade que não existia. Nada prenderá estas velhas botas ao chão que afunda nas poças, elas compreendem o inferno.

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