domingo, 29 de janeiro de 2012

Recuerdos...


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(Te-diarium Inexistencialista: 15-16/10/08)

Dez anos de Ceará neste último onze de outubro. Vim bater aqui quase por pura errância. Os dois primeiros escritos estão miraculosamente preservados. Muitos outros se perderam. Consigo lembrar a noite pela janela, uma lua talvez minguante, uma praça triste e povoada por crianças a cheirar cola e marginais. A Praça da Estação. Big Hotel Pousada, em verdade um Moquifo. Uma cidade estranha, densa e suja. Começaria os plantões do IPC no dia seguinte, 24 horas. Sentia nos dias anteriores uma Natal despedindo-se. Sutilmente, nos bares, nas ondas noturnas do mar. Fechava-se um ciclo de quase onze anos.

Andava muito pelas ruas do centro, um ilustre desconhecido tentando entender-se por aqueles prédios e calçadas, escrevendo nos bares ao por do sol, sem perspectiva alguma. Sentia apenas que alguma coisa iniciava com a morte de outra, ciclos. Estivera em Fortaleza pela primeira vez uns dois anos antes, quando militar, em uma viagem de navio (um rebocador, em verdade). Apenas dois ou três dias. Andei do porto ao Cais Bar, voltando em seguida, a pé. Só. Um longo trecho.

Parece que a “Coisa” escolhe alguns como alunos, aprendizes. Os coloca em certos meios onde as lições vão aparecendo em ordem crescente de dificuldade. Então, translada-os a outros meios mais complexos, onde o processo se repete. As oportunidades vão surgindo, inesperadas, como se uma inteligência oculta estivesse a programar tudo. Assim foi. IPC e São Vicente. Caps de Itapipoca e São Gerardo. Marco, Cascavel, Canindé. Finalmente Quixadá e a vida acadêmica. Esta foi minha escola, nenhuma residência ou professor. Prova de títulos em outubro de 2002 (dia 16!). Sorte.

A “Coisa” também age como uma intrincada rede de opções inesperadas e sem sentido aparente. As escolhas, sempre de última hora e algo impulsivas. As situações que favoreceram as escolhas também seguem este padrão. Algo como “o rumo das venta” paira sobre este processo. Estaria a “Coisa” apenas seguindo nossos estilos?


(Te-diarium Inexistencialista: 18/10/08)

Pode o “futuro absoluto” ser o conjunto de todas as possibilidades, de todos os caminhos que a Coisa poderia ter tomado. Uma coexistência plena de todos os caminhos possíveis. Nossa existência atual dar-se-ia em uma destas sendas ínfimas, em um ínfimo nicho de possibilidades. Mas possibilidades não são vivências. A Coisa seguiu todos os caminhos ao mesmo tempo. Quando um ponto passa a “ser”, percebe, ele traduz estes caminhos e funda o seu minúsculo nicho. “Ilusionamos” um caminho, um universo. Em termos de ilusões, somos os criadores do universo, uma ínfima e distorcida versão da Coisa. Uma espécie de “remontagem às cegas”, onde apenas os padrões representam as semelhanças com o que representamos e “ilusionamos”. Creio em outras instâncias existenciais, outras formas que tomaremos para interpretar a Coisa, não obrigatoriamente a continuidade do que pensamos ser. A impermanência. O fato de não sermos os mesmos corpos a cada minuto. Toda idéia de continuidade existencial é um absurdo. Jamais poderia haver um eu que reencarna, mas um processo que se reconfigura pelos efeitos, um vetor. Movimento envolvendo “pontos interpretantes”. Configurações interligadas em planos sutis, corpos tão impermanentes quanto nossas idéias. É somente daqui que a metafísica deixa de ser absurda, pois se fundamenta na impermanência.

Seria um universo começando a olhar para si? Talvez, mas não daqui de onde estamos, não neste estado dito “humano”. Não sendo autômatos de um sistema insano e brutal. O universo não são somente os intestinos. Talvez para bem longe daqui, possamos dizer isso, viver isso. O velho Krishnamurti comparou, certa vez, o universo com uma mente em perfeita meditação.

Estranho sossego que começa a querer despontar. O mundo “lá fora” começa a chamar. Talvez tenhamos serra em casas abandonadas e com vinhos. São 23h de um sábado que já se põe.

Escreve um renegado, errante dos caminhos e idéias.

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