terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Noctivagando...

                                                                              {:<-
       
    O som das ondas quebrando  próximas, o vento que toma a noite em movimento, rastros atuais de um exílio e seus ventos. Encontro-me aqui nesta madrugada insone, preso a um instante que flui. Estranha forma de continuidade que escreve e recorda, pensa. 
           
          Um sossego inesperado e sem motivos, talvez falso ou mesmo proposital. Dia cheio, distante, extremamente usual em suas penas. Pago. Vencido. Restam-me os minutos antes do sono. Escrever.


          Atirar ao mundo palavras inúteis, sentidos tortos, momentos isentos de compreensão, quase autistas. Como um instante vivo que agoniza, vive aos poucos sua morte implacável. E tento mais uma vez fotografar este instante em palavras e imagens tão inúteis quanto meu significado mais sagrado. 


          Mas a noite continua lá fora, e soprará seus ventos e ondas, rajadas de consciência, solidão, mesmo quando eu estiver aos roncos. Mesmo sendo um outro universo próximo e inatingível. Talvez soprando ao ritmo destas angústias e quase sonhos, com este som de dia vazio e pleno em distâncias. 


          No intervalo de almoço, enquanto fumava, percebi a diferença entre "ilusionar" e alucinar, veio-me a estrutura do que tenho por realidade traduzida em termos de "tempos internos", o tempo das coisas que internalizamos. Inevitavelmente será escrito mais tarde, outro tempo e teia de ilusões. Um pedaço do dia, o único que valeu. 


          Quase trinta almas em um sofrimento suposto e por demais humano vieram hoje compartilhar comigo seus teatros e papéis, enquanto vivia meu roteiro mais constante, o dia - a - dia que represento há anos. Perdidas, como eu, neste labirinto insano e fatal. Prisioneiros de um tempo que repete e repete sempre o mesmo grito congelado de tempo, desde os tempos primordiais. De seus tempos primordiais. Do primeiro suspiro em vida, da primeira e mais profunda ferida. Daquilo que os dias sempre atualizam por sermos cegos. Não é minha "depressão", não é minha angústia, não são meus traumas. Estas coisas pertencem ao mundo, atravessam-nos porque somos caminhos, azar quando os prendemos, quando esquecemos dos ventos existenciais. Quando nos tomamos finalmente por estas coisas e cristalizamos nisso. Parece que necessitamos daquele momento, daquele quase insano encontro, daquela satisfação àquilo que nos convida a fluir. 


          Sonhava em viver meus dias em montanhas e cavernas  fotografando animais, livre de um tempo escassamente humano. Ou num laboratório isolado entregue às químicas e estruturas, ou mesmo sendo pago para passar a noite devassando nebulosas e estrelas. Não, eu não sou sádico, não obtenho prazer algum em constatar a falência em vida de almas e sonhos, e muitas vezes ter como única opção prescrever. Ter que medicar existências e estruturas em seu embate com uma sociedade insana e brutal. "Readaptar" almas ao inferno quotidiano que ajudamos a manter desde antes de nossos nascimentos. Não gosto do que tenho que fazer. Mas nenhum outro papel me caberia tão bem. Como fragmentos de minha própria "salvação", minha escola mais dura e preciosa. 


          2h21min. Primeiro de num fevereiro em luas crescentes. Acostumei-me desde estudante a pagar o preço de ser um animal noctívago. Trabalho bem em sonos, em restos de noites mal dormidas. Até estranho quando caio numa manhã em plenas forças de uma rara noite bem dormida. Talvez precise deste cansaço quotidiano para enfrentar um dia sem levá-lo a sério. Diria que apreciar cafés é antes uma necessidade, algo além de um mero requinte. Tenho alguns neurônios que precisam funcionar de dia. E tenho que, ao final, desfazer todo o peso de um dia,  um dia que remonta desde bem antes de meu nascimento. Que tenta me pregar a esta cruz estúpida desde aqueles tempos, me cristalizar humano, enfim. Tenho que desfazê-lo para fluir no próximo instante, morrer, simplesmente vento. Estava ficando bom nisso, um Mestre em ventanias, exímio ventador de coisas e sentimentos. 

       

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