terça-feira, 22 de maio de 2012

A Isca do Pensamento.I


    • 21.05.2012

         23h34min. Percebi algo sobre o jogo "observador - coisa           observada" dia desses. Há o objeto. Passa a existir para mim quando toca meus sentidos. Então o mundo nasce onde é formado em meus sentidos. Percebo uma imagem (visão), um som (audição), ou um toque(tato), um gosto (paladar) ou um cheiro (olfato).Mas esquecemos que também percebemos pensamentos, mistos de afetos, imagens... Então seis são os sentidos. Assim era a fisiologia dos antigos budistas - os seis sentidos (recordo-me que discutia com o pai aos sete anos de idade a pertinência do pensamento aos sentidos - com muito menos argumentos, é claro... Engraçada lembrança agora).

      Bem, então um objeto construiu-se diante de meus sentidos. Forma-se a "coisa observada" - e ela foi forjada por meus sentidos. Está dentro de mim. De meu espaço de consciência (ou este espaço é que está fora de mim, para o mundo?). Em uma fração de segundo um enxame de pensamentos (idéias, imagens, afetos, os julgamentos, a importância) invadem esta percepção - a deturpam - e dão início à sua extinção ou a rotinas e caminhos de outros pensamentos. O objeto em si, formado  por "mim", perde-se de "mim" - o "mim" que percebe o objeto, o "mim" que percebe os "meus" pensamentos e a eles se atrela. Do "Penso, logo existo", de Descartes, surge o "Percebo o pensamento, logo existo" (o que Sartre percebeu mas deixou de dar atenção - está num dos livros de Eckhart).


  • Hace 10 minutos
    A consciência antecede o pensamento. Então há uma coisa lá que acompanha os pensamentos, que permite que eles se formem... Mas... por que a confusão com o pensamento, por que o deixamos há milênios nublarem nossas vistas e cansarem nossos corações? Acho que é porque aprendemos isso - o "racionalismo ocidental" - e isso foi-nos incutido para que nunca nos libertássemos. Há aí um ato intencional e que veio de fora.
    Hipertrofiamos há mais de cinco mil anos o sentido "pensamento", assim como nossa visão em detrimento dos outros sentidos. mas o sentido "pensamento" foi o mais hipertrofiado. E é daí que começa nossa escravidão ao sistema.
    A Isca do Pensamento.


  • Hace 4 minutos
    "Eu não consigo controlar meus pensamentos". Claro, como não consigo controlar minha visão, meu paladar, meu olfato. Controlo a atenção que dou a cada um deles quando surgem. Porque as impressões nascem de meu embate com o mundo através de meus sistemas percepcionais. Eles são representantes do movimento do mundo, letras para sua interpretação.
    ...
    Mas o pensamento me parece um pouco diferente. Quais seus órgãos, que sistemas o permitem, constituem?
    ...
    Veio-me a imagem de uma pequena menina em preto e branco, em antigas roupas de bailarina, sobre o sofá. Sorria e parecia estar numa dança estática. Nenhuma materialidade. Um nó de desenhos, cores, afetos, um hálito. De onde a tirei?
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  • Hace 37 minutos
    Obtenho a matéria do pensamento provavelmente da mesma forma que obtenho a matéria da visão, por exemplo. Eu só posso tirar uma percepção de um movimento. Enquanto este sofá me surge do jogo entre meus cones e bastonetes com certa frequência de luz (após associado ao meu "painel mental"), enquanto interpreto uma modificação de campos energéticos a que denomino "sofá", meus pensamentos devem provir também de um movimento. Devo também, ao pensar, interpretar campos energéticos em modificação. Ao receber esta imagem da menina sobre o sofá, interpretava um movimento de vários afetos ou imagens em movimento.
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    Hace 32 minutos
    Existe um movimento - um conjunto de movimentos - que interpreto, que significo, que construo como um pensamento. Há uma matriz que interpreta cada percepção. E sempre da mesma forma. A matriz que permite a construção do pensamento me parece, em essência, puramente afetiva. Ligada à minha construção de todo o mundo, de certa intencionalidade ligada ao momento, esta matriz percebe movimentos internos entre imagens, afetos, desejos (imagens e afetos), medos (imagens, afetos, desejos), rotinas - Condicionamento, cultura, traumas (afetos, imagens, medos, desejos)...


  • Hace 27 minuto
    São os olhos que olham o meu painel mental interno, é o nariz voltado para "dentro" que cheira, o ouvido interno, o tato... movido por meus desejos, intensões, tropeçando pelos abismos de meus medos, enfim. O "sentido pensamento", embora fundamentado nos sentidos voltados para o externo, alimenta-se, constrói-se de um conjunto de imagens e idéias concatenados, intrincados naquilo que chamava de "painel mental" - o fundo, a fonte de sentidos que fui construindo à medida que aprendia a interpretar o mundo, dar-lhe um sentido geral, à medida em que me educava "cívica" e neurologicamente. Um painel dinâmico que não mais apenas representa, mas significa o mundo que vou englobando.
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  • Hace 21 minutos
    Conheço pouco de meu irmão. O "campo" deste painel mental que o representa constitui-se, em essência, de tudo o que trocamos, o que passamos, nossos afetos, nossos julgamentos... Eu não tenho aqui dentro meu irmão, tenho um campo de representações que aciono sempre quando "penso" nele. A construção deste campo é baseada nos meus sentidos, nas imagens resultantes, NO MEU JULGAMENTO destas imagens.Assim é com todas as coisas. Quando encontro novamente meu irmão eu não o estou encontrando, estou me relacionando, antes de tudo, com o campo de idéias e afetos de meu painel mental que o toca. Deixo de conhecer melhor meu irmão, deixo de me relacionar completamente com ele quando o encontro. Perco-o para mim.
    Assim passa a ser minha relação com todas as coisas. Com o novo. com a vida, sempre dinâmica. É esta hipertrofia do sexto sentido, este costume de me relacionar quase que exclusivamente com os conceitos das imagens que recebo.
    Acho que é disso que Krishnamurti falava, que Eckhart fala, que muitos outros denunciam... O pensamento tende a tolher as novas percepções com nossos preconceitos. Sinto quase que claramente isso quando revejo alguém, quando chego ao serviço, quando sigo um mesmo caminho.
    ...
    Hace 13 minuto
    Só posso perceber algo recriando-o num mundo "interno". Então seria correto afirmar que SOMOS a coisa observada, que somos o mundo que colocamos no espaço"fora" - que somos a deturpação destas interpretações. Que somos nossos descontrolados feixes de pensamentos, afetos... Que somos, de antemão, esta maquinaria absurda. Que ouve sempre vozes dentro da cabeça e a elas se rende... Somos o processo destrutivo todo. Ou somos isso também? 
    ...
    O que me resta disso tudo? Meu "ser" limitar-se-á aos meus processos. Onde eles estiverem, serei. Se meus processos configuram agora este mar de traumas, desejos, esta cacofonia silenciosa, este caos... Se configura esta parafernália desarmônica - então isso sou eu agora. Esta matriz torta por onde passa a energia nova, que a deturpa.
    Não há como sair. Há como deixar. Não deixaremos nunca de sermos a nós mesmos. Podemos colocar o ser nesta máquina absurda que se autodestrói a cada minuto. Ou podemos colocá-lo na vida que interpreta-se a si mesma, livre.

2 comentários:

  1. Sim, percebo isso tb, sobre o relacionar-se com campos de ideias, etc. Usamos essa "armadura" tão fácil ser percebida. E tambem é muito fácil não usá-la mais. Agora, existe uma diferença: o desarmado e pronto pra comungar, não combina com o armado e pronto pra separar. Aí não tem como tentar mais vezes - basta deixar o acontecer que, normalmente, cada um trilha seu caminho. Assim, perde-se a enorme chance em que mundos interiores sejam trocados. Ótimos textos !!!

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