terça-feira, 15 de maio de 2012

Psiquiatrices.II


                                     ***************

     15.05.2012 .

     Como iremos chamar isso que dói, adoece, isso que permeia invariavelmente as nossas atmosferas existenciais? Os místicos antigos foram os primeiros a perceber ("O mundo todo sofre de ansiedade e depressão", Sidarta Gautama). Meus colegas modernos resolveram classificar tudo em um monte de códigos curiosos.

     Tenho palpites. A coisa é complexa. Precisei de anos ouvindo o mesmo jogo de queixas. Vivenciando as dores, aliviando, vivendo. Uma grande salada psíquica.

     Existem aqueles que nascem com lesões reais em seus sistemas nervosos. Os casos de retardo mental, algumas alterações de personalidade e irritabilidade devido a lesões ou "focos irritativos" na massa encefálica (com ou sem epilepsia). Traumas de parto, herança genética, infecções ou drogas ainda na gestação. Estes sempre beneficiam-se de medicação. Apresentam obviamente uma personalidade, foram moldados pela vida familiar, sofrem por tudo isso. Outros tomaram isso após um acidente grave, um traumatismo craniano, por exemplo. Uma salada variada.

     Outros repousam nas fatalidades da herança. São as grandes síndromes "psiquiátricas" bem definidas, com seus códigos diagnósticos e tal. Chamo isso de "estruturas". O caso dos esquizofrênicos, dos grandes depressivos, de alguns ansiosos graves. Os bipolares, alguns transtornos de personalidade. Costumo dizer a alguns que não escolhemos o tamanho e a forma do nariz, o timbre de voz, a cor dos olhos... E nem a estrutura de base, a "estrutura psíquica". Prova disso é que as esquizofrenias, as bipolaridades e as grandes depressões ocorrem invariavelmente em família (fatores hereditários mas não obrigados a uma expressão). Sempre aqui a medicação entra.

     Um grupo numeroso o dos "neuróticos" (nós, por excelência). Mais de setenta, oitenta por cento das consultas. Aqui as saladas também apresentam temperos genéticos (mas é menos presa a eles). Mas os temperos "existenciais" - família, meio, aprendizado - estão em maior número. É aqui que incide o termo "normose" - a doença da normalidade - brilhantemente proposto por Weil (Pierre Weil - "O Corpo Fala", "Os Mutantes" etc.).

     Mas é das saladas o misturar-se. Esquizofrênicos desenvolvem neuroses (estão vivos, afinal). Retardos mentais, especialmente os "leves a moderados" adoram uma neurose. Também é o tempero essencial dos grandes depressivos (e dos psiquiatras também).

     Eu gostaria de ver tudo classificado em "eixos" - mas eixos mais abrangentes que os do DSM IV. "Eixos Existenciais". O primeiro eixo incidiria sobre as estruturas, o herdado. Cairiam aqui "as grandes síndromes". Um segundo eixo diria respeito á estrutura familiar - como a família e o meio deturparam o ser com tais e tais heranças. Um terceiro e mais tênue eixo abordaria as possíveis reações adaptativas do indivíduo, sua defesas, a energia investida nestas defesas, a "carga" dos estressores sobre este conjunto todo. Como este ser se defende do embate com a existência, baseado em sua carga genética herdada e com o que o mundo o tentou transformar. Que doenças clínicas o assolam - diabetes, hipertensão, por exemplo - e o que elas fizeram com esta "psiqué". Que estressores ao momento, e fazendo o que...

     Um quarto eixo poderia dizer a respeito de respostas. Como a medicação age sobre estes seres, que humores reagem e surgem, como os demais transtornos clínicos concomitantes  reagem aos seus tratamentos tratamentos (e como eles se tratam)... Os efeitos de diversas terapias, alternativas, a religião ou "espiritualidade" e seus efeitos...

     Poderia agora propor um quinto eixo de compreensão. Do quanto dispõe o ser para uma transcendência?

     Sim, acredito em "transcendência". Aposto o que me resta de vida nisso. Desde quando meu pai me trouxe certa vez uma xérox de um texto de Krishnamurti, de uma de suas palestras. Ainda era moleque e levei mais de dez anos para conseguir um livro deste Mestre. Quatro anos antes dele morrer, morreu e nem fiquei sabendo... Um dia "divisor de águas" em minha vida, algo que serei sempre profundamente grato a meu Pai. O trago comigo nesta busca. Não teria como pagá-lo, como retribuí-lo totalmente. A coisa veio trazendo luz ao que antes já pensava, trazia, mas confusamente. Vi que havia um espaço no mundo dos humanos para o que trazia comigo. Eu sofria de quatorze anos de vida extra - uterina, acho.

     O quanto um ser está próximo de sua transcendência? O quanto ele está próximo deste "salto", desta nova existência - de sua "inexistência" egóica???

     Eckhart Tolle trouxe-me novos aspectos destas coisas, mostrou que este salto é muito mais "possível" - e a muito mais pessoas. Isso foi mais recente, bem mais recente.

       Agora chega. Andava hoje à tarde às voltas para casa e, por divina inspiração, adentrei em certo "mercantil" novo por aqui. Encontrei surpreso duas garrafas de um bom saquê - isto por estas terras!!! Chego em casa com a necessidade iminente de meditar nas cousas nipônicas. Abro uma garrafa. Um grande prazer, sem culpas. Precisava. Seu nome: GEKKEIKAN... Que Buda e todos os Bodhisatvas tenham piedade de minha pobre alma. KAMPAI!!!!!!!!!!!

                                                                *****************************
   

Nenhum comentário:

Postar um comentário